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(Re) Criação do Ministério da Cultura: Políticas Culturais em (re) construção



Entre as tantas políticas públicas dilapidadas nos últimos anos que precisarão ser objeto de dedicação do novo Governo Federal, as políticas culturais chamam atenção por seu desmantelamento ter se materializado na própria extinção da pasta específica responsável pelo setor em âmbito federal, o Ministério da Cultura (MinC).


Brevemente extinto no Governo Temer, mas logo recriado, a pasta acabaria, durante o Governo Bolsonaro, sendo relegada à condição de Secretaria Especial, subordinada, inicialmente, ao Ministério da Cidadania e, posteriormente, ao Ministério do Turismo, até ser novamente recriada em 2023, no novo Governo Lula. Todos esses episódios são novas páginas de uma velha história marcada por turbulências.


O primeiro vislumbre do MinC ocorreu em 1953, com a instituição do Ministério da Educação e Cultura durante o último Governo Vargas. Mas foi somente em 1985 que as pastas foram separadas e o MinC foi efetivamente instituído. Não demoraria, porém, para o órgão passar por uma primeira instabilidade, sendo transformado, durante o Governo Collor (1990-1992) em uma Secretaria Especial vinculada diretamente à Presidência da República, em um período marcado por retrocessos que impactaram especialmente o setor audiovisual.

Após o fim do Governo Collor, o MinC seria recriado e encontraria alguma permanência.


Isso não significa, no entanto, que já se construía uma pasta robusta com políticas culturais dinâmicas e autônomas, tendo em vista que, nos anos que se seguiram, estas ficaram ainda fortemente pautadas pela lógica de renúncia fiscal instituída pela Lei nº 8.313/1991 [1] (Lei de Incentivo à Cultura ou, como é mais conhecida, Lei Rouanet) e, também, pela Lei nº 8.685/1993 [2] (Lei do Audiovisual).


Ao longo dos anos 90, as políticas culturais executadas pelo Ministério foram extremamente dependentes dos interesses do setor de marketing das grandes empresas apoiadoras, o que prejudicou a diversidade dos investimentos tanto no que se refere às áreas apoiadas quanto à sua distribuição entre as regiões do país.


Foi a partir de 2003, no primeiro Governo Lula e com a pasta sob gestão de Gilberto Gil, que o MinC efetivamente começou a atuar com reconhecimento do papel do Estado na criação e democratização das políticas culturais, sendo esse enfim um período de estabilidade e de construção de processos a serem continuados. Até o ano de 2010, com a pasta já sob gestão de Juca Ferreira, as políticas culturais brasileiras estiveram em período de grande expressividade e reconhecimento.


Já no Governo Dilma, no entanto, o MinC enfrentou ambiguidades e dificuldades que estancaram a continuidade do fortalecimento e desenvolvimento das políticas culturais, que seriam depois alvo das instabilidades do Governo Temer e da dilapidação (e aparelhamento) realizados pelo Governo Bolsonaro, que se utilizou da cultura para propagar um discurso nacionalista desconectado da diversidade das identidades brasileiras.


A trajetória do MinC enquanto instituição, portanto, sempre foi marcada por fortes instabilidades e fragilidades, pontuadas por um período de desenvolvimento ao longo da primeira década dos anos 2000 e, de uns tempos pra cá, por um intenso movimento de enfraquecimento e dirigismo recheado de intenções políticas e ideológicas.


Mesmo com a recriação do MinC no atual governo, é importante lembrar que os desafios na pasta da Cultura são grandes e cruciais para o setor. Dentre eles, é possível citar: a institucionalização do Sistema Nacional de Cultura, previsto constitucionalmente desde 2012 mas nunca implementado por lei, como exigido pela própria Constituição em seu artigo 216-A, §3º; a criação de uma lei geral sobre patrimônio cultural, que reúna e fortaleça os instrumentos protetivos e defina, de forma clara, o papel de cada ente federado nessa proteção; a criação de um marco legal do fomento à cultura no país, objetivando finalmente regulamentar e desburocratizar o fomento público à cultura (o que pode ser feito com a aprovação do Projeto de Lei nº 3905/2021 [3]); e a execução da Lei Paulo Gustavo e Política Nacional Aldir Blanc, em uma tentativa de evitar os entraves ocorridos durante a execução da Lei Aldir Blanc, fazendo o recurso chegar a quem mais precisa de forma célere e eficaz.


Em suma, o Ministério da Cultura recém criado enfrentará desafios que não surgiram simplesmente após 2016, nem tampouco após a terra arrasada deixada pelo Governo Bolsonaro na área. Tratam-se, na verdade, de dificuldades que permeiam o funcionamento do órgão por toda a sua história, em alguns momentos mais e em outros menos fragilizado.


Os desafios, nesse momento de construção e reconstrução dos patamares mínimos de institucionalidade das políticas culturais, parecem ainda maiores quando temos em mente que, durante todo seu percurso, o Ministério foi alvo de toda sorte de críticas que envolvem inclusive questionamentos sobre a necessidade de sua própria existência.


Isso reflete um meio social que ainda não reconhece a importância do papel da cultura e da arte para a vida em sociedade e para o desenvolvimento nacional, como é fácil de se notar nos repetitivos e barulhentos ataques feitos à Lei Rouanet ou, de forma ainda mais ilustrativa, na depredação a obras e artefatos de inestimável valor artístico e histórico ocorrida durante os ataques antidemocráticos realizados em Brasília no dia 08 de janeiro de 2023.


Apesar de tudo, não é hora de desesperança. Tampouco de simples saudosismo de outras épocas. Existe muito a se construir e a se reconstruir, a continuar e a iniciar, para que, assim, o MinC e as políticas culturais brasileiras não apenas recuperem o patamar de expressividade anteriormente alcançado, como também cheguem, como é necessário, em uma centralidade na política pública brasileira.


Ana Beatriz Moura, Advogada, graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará e membro associada do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

Cecilia Rabelo, advogada, mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

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