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Dilemas e ambiguidades na adesão ao Sistema Nacional de Cultura 

Cecilia Rabelo é advogada, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público e em Gestão de Políticas Culturais  


Mário Pragmácio é advogado, professor de Legislação de Incentivo à Cultura do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense 

   

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O Marco Regulatório do Sistema Nacional de Cultura, a Lei nº 14.835 de 4 de abril de 2024, regulamenta o art. 216-A da Constituição Federal de 1988 e trata, dentre outros pontos, da adesão dos entes federados - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - ao SNC.  


A União, em seu duplo papel de coordenadora da Federação e de ente federado, encabeça o SNC necessariamente, visto que é ela a responsável por implantar, coordenar, gerir, manter e desenvolver o Sistema Nacional de Cultura, nos termos do artigo 8º, I da norma. 


Já os Estados, Distrito Federal e os Municípios poderão aderir ao Sistema, desde que cumpram os requisitos do artigo 5º, §4º da Lei. Tais requisitos não são poucos: (i) formalizar a adesão perante a União via instrumento próprio; (ii) criar e publicar uma lei própria de Sistema de Cultura; (iii) criar Conselho de Política Cultural, Plano de Cultura e Fundo de Cultura próprios; (iv) criar e implementar uma Comissão Intergestores Bipartite, no caso dos Estados. 


Caso o ente consiga cumprir tais exigências, ele poderá aderir plenamente ao SNC. Caso contrário, terá que preencher um plano de trabalho perante a União, prevendo prazos para o cumprimento dos requisitos faltantes e, só assim, aderir plenamente ao Sistema. Durante esse prazo de transição, de “correr atrás do prejuízo”, os entes terão aderido provisoriamente ao SNC. 


Na Lei do Sistema Nacional de Cultura, não fica claro quais são as consequências práticas de aderir de forma plena ou aderir de forma provisória.  


Seria possível caminhar por dois sentidos. O primeiro de que os entes com adesão plena teriam mais “direitos” do que os entes com adesão provisória. No entanto, a Lei não traz qualquer distinção entre eles em seu texto, apenas se referindo ao ente que “aderir” ao sistema.  


Um outro sentido possível seria de que os entes que aderiram provisoriamente teriam os mesmos direitos dos que aderiram plenamente, diferenciando-se apenas pela “caducidade” desses direitos: ao não cumprir os deveres previstos no plano de trabalho, nos prazos ali determinados, o ente perderia a adesão ao sistema e, consequentemente, os benefícios dali derivados. 


Tal interpretação parece mais adequada ao texto legal, e encontra similaridade com o que ocorre, por exemplo, com o tombamento provisório e o tombamento definitivo previstos no Decreto-Lei 25/37.  


Sobre o bem tombado provisoriamente incidem os mesmos efeitos da proteção do bem tombado em definitivo, apenas caindo a proteção no caso de o tombamento não ser convertido em definitivo ao final do procedimento administrativo. 


Um dos pontos que parece mais “atrativo” para adesão ao SNC é, sem dúvida, a promessa da dita “transferência Fundo a Fundo”, que se daria em plataforma única da União para Estados, DF e Municípios, e dispensaria a celebração de qualquer tipo de acordo, convênio ou instrumento específico, bastando, portanto, a adesão ao SNC. 


Ocorre que a principal política pública de cultura de transferência Fundo a Fundo de caráter nacional, a Política Nacional Aldir Blanc, não exige que os entes federados receptores do recurso adiram ao SNC. É verdade que há exigência de fortalecimento dos sistemas de cultura próprios, bem como a obrigatoriedade, até 2027, de criar seus próprios Fundos de Cultura para receber a parcela da PNAB, mas não há uma obrigação legal para adesão. 


O que se experimentou anteriormente à promulgação da PNAB e do Marco Regulatório do SNC, ainda no contexto de implementação das leis emergenciais, foi firmar o compromisso de Estados e Municípios criarem os respectivos componentes do Sistema através do Acordo de Cooperação Federativa, que estabelecia uma obrigação contratual nesse sentido e que induziu, provisoriamente, o incremento do complexo desenho do SNC. Agora, com o Marco Regulatório do SNC, todos esses acordos firmados terão o prazo de três anos, contados da promulgação da lei, para se adequarem às previsões da Lei do SNC. 


Atualmente, vale ressaltar, não há uma obrigação legal, estampada na Lei nº 14.399/2022, de que somente os entes federados aderentes ao SNC é que possam receber os recursos da PNAB. É certo que, quando da criação da Lei da PNAB, bem como na sua operacionalização, não havia lei do Sistema Nacional de Cultura, motivo pelo qual havia necessidade de prever, na própria PNAB, quais eram as regras de repasse do recurso. 


Apesar disso, com a promulgação da Lei nº 14.835/2024, parece clara a necessidade de realizar a adequação normativa entre a norma geral sobre Sistema Nacional de Cultura e as demais normas de fomento à cultura, especialmente a mais importante do país em se tratando de fomento direto, que é a Política Nacional Aldir Blanc, sob pena de enfraquecimento da adesão ao SNC.  


E mais: é o momento dos Estados e Municípios atualizarem suas respectivas normas para estarem em conformidade com essas leis gerais, tais como o Marco Regulatório do SNC e o Marco Regulatório do Fomento à Cultura, a fim de introjetar os novos arranjos e mecanismos criados pelos novos marcos legais da cultura. 

 


 

 

 

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