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O impacto da reforma tributária nos sistemas de financiamento à cultura 


Cecilia Rabelo é advogada, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público e em Gestão de Políticas Culturais 


Mário Pragmácio é advogado, professor de Legislação de Incentivo à Cultura do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense 

 


O tema da reforma tributária tomou conta do país nos últimos anos e permanece sendo pauta de intensos debates, a exemplo do que aconteceu recentemente com o IOF. No setor cultural, ela também é discutida, ainda que seu impacto ainda seja pouco compreendido. Um dos efeitos previstos - e que gera preocupação em parte do setor - é o fim do incentivo fiscal à cultura realizado pelos Estados e Municípios brasileiros, nos moldes que acontecem hoje.  


Isto porque, com a aprovação da reforma, o ICMS e o ISS serão substituídos pelo IBS, imposto de competência compartilhada entre Estados e Municípios e no qual é vedada a concessão de benefícios fiscais, salvos os expressamente previstos pela própria Constituição Federal, o que não é o caso da cultura. Assim, com a reforma, os incentivos fiscais estaduais e municipais à cultura, como funcionam hoje, não mais poderão existir. 


Esse novo arranjo não incide sobre a mais famosa lei de incentivo fiscal à cultura do país, a Lei Rouanet, visto que ela é construída em cima da renúncia fiscal de outro imposto, o incidente sobre a renda, de competência da União federal, e que não será impactado diretamente pela criação do IBS. Assim, a extinção do incentivo fiscal do ICMS e ISS para a cultura não alcança o incentivo fiscal realizado por meio do IR. 


O fato de a Rouanet escapar à reforma tributária, ao menos até agora, não significa que ela passará incólume. É provável que a ausência do fomento indireto feito pelos Estados e Municípios, por meio das respectivas renúncias de ICMS e ISS, leve a um aumento vertiginoso de projetos submetidos à Lei Rouanet como alternativa de financiamento público às manifestações artísticas e culturais. Isso pode levar a uma sobrecarga nesse mecanismo de financiamento, que já atingiu, em 2024, o maior volume de captação de recursos da série histórica, segundo demonstra o novo portal “Salic Comparar”, com grandes chances de serem superados, na sequência, pela captação do ano de 2025. A ver. 


Mas a renúncia fiscal é a única forma de financiamento à cultura? Qual a previsão constitucional desses mecanismos de financiamento? 


O Sistema Nacional de Cultura (SNC), previsto no art. 216-A da CF/88, prevê, como um de seus nove elementos, os sistemas de financiamento à cultura. Observa-se que o termo sistema está no plural, o que foi descrito pela Lei 14.835/2024 – norma regulamentadora do SNC - como o conjunto articulado e diversificado de mecanismos de financiamento público da área da cultura. 


Articulação e diversificação são palavras-chave para compreender o desenho desse conjunto de mecanismos de financiamento destinado ao fomento do setor artístico-cultural. Com o fim dos incentivos fiscais estaduais e municipais com base no ICMS e ISS, a diversificação é nitidamente prejudicada, visto que centralizará o apoio via fomento indireto (aquele realizado mediante renúncia fiscal) unicamente na União federal. 


Também a articulação é prejudicada, considerando que o fim de um dos mecanismos deveria ser necessariamente equilibrado com o incremento de outro, buscando um balanceamento nos sistemas de financiamento. Reforça esse nosso argumento um dos princípios do SNC elencados na Constituição Federal, mas pouco lembrado nas discussões sobre o tema: o do aumento progressivo dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura (art. 216-A, §1º, XII). 


Assim, apesar da criação do IBS não resvalar no Imposto sobre a Renda, por meio do qual é feito o incentivo fiscal da Rouanet, é certo que a extinção de todos os mecanismos fiscais à cultura nos Estados e Municípios levará a um desequilíbrio do fomento público à cultura no país, impactando indiretamente na operacionalidade da Lei Rouanet. 


Ressalvados os mecanismos específicos do audiovisual, a existência da Lei Rouanet como o único mecanismo de incentivo fiscal à cultura – uma espécie de “rouanetcentrismo”- vai de encontro aos princípios da cooperação entre os entes federados, da integração das políticas, programas e ações desses entes e da descentralização articulada dos recursos, todos princípios do SNC que deveriam ser observados pelos sistemas de financiamento à cultura, um de seus elementos. 

 

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