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Manifesto em favor da “dignidade cultural” 

Humberto Cunha Filho, Professor de Direitos Culturais nos programas de graduação, mestrado e doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Presidente de Honra do IBDCult – Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, Autor, dentre outros, dos livros “Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades” (Edições SESC-SP) 

 

Imagem criada por IA, a partir de comandos do articulista
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A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Brasileira, que expressamente consta já no primeiro artigo da nossa Constituição. Ela significa, na visão antropocêntrica de José Afonso da Silva, o “atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente” [1]


Essa compreensão é nitidamente tributária da filosofia de Immanuel Kant, que trata do tema na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, espaço onde prescreve o comportamento que se deve ter favoravelmente ao mencionado valor: “Age de tal maneira que tomes a humanidade, tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio” [2]


Vê-se, assim, no quadro até agora exposto, resultante do pensamento dominante na modernidade, que a ideia de dignidade da pessoa humana abrange essencialmente - e por primeiro - a figura do indivíduo. Porém, como já lembrava Aristóteles, há mais de dois milênios e meio dos nossos dias, o ser humano é um animal gregário (“infinitamente mais sociável que as abelhas e que todos os demais animais que vivem em grupo”) [3], ou seja, o indivíduo somente encontra a dimensão de sua dignidade no contexto social em que vive.  

A conclusão impele a que se qualifique a compreensão constitucional, passando-se a ponderar também sobre uma dignidade de natureza coletiva, permeada de valores, interrelações e afetos, razão pela qual merece a designação de “dignidade cultural”, um conceito até agora inexistente, de forma literal, na normatividade brasileira ou no ordenamento internacional que rege as relações culturais. 


Se insistirmos, para o âmbito cultural, que são aplicáveis aos grupos e coletividades, e aos indivíduos nos contextos deles, as ideias de que a dignidade exclui do mercado (“não tem preço”) e de que são sempre um fim em si mesmo, jamais um meio para qualquer outras finalidades, o conjunto normativo que mais proximamente trata desta questão é a Convenção para a Salvaguarda da Diversidade das Expressões Culturais, precisamente quando especifica o “Princípio da Igual Dignidade e do Respeito por Todas as Culturas”, redigido assim: “A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais pressupõem o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e as dos povos indígenas" [4]


Da exposição feita, seria possível propor uma primeira definição de "Dignidade cultural" concebendo-a  como um fundamento jurídico de coletividades, bem como indivíduos organicamente a elas relacionados, produtores de direitos culturais fundamentais de criarem, expressarem, preservarem e desenvolverem suas identidades e culturas de forma livre, sem discriminação, garantindo o acesso a costumes, tradições, expressões e ao patrimônio cultural como um todo, tendo por limites apenas os demais direitos humanos. 


Com esta compreensão, interferências sociais e até políticas públicas, mesmo que venham à cena com o argumentos da inclusão e da igualdade, se não respeitarem a lógica cultural dos seus destinatários e, principalmente, se engendrarem fomentos com condicionantes a comportamentos e propósitos dos gestores, ainda que muito sutis e camuflados, agridem a dignidade cultural, pois de fato trata-se de uma compra de comportamento e até de produtos, que deixam de ter valor cultural intrínseco, sendo substituído por outros de natureza econômica, ideológica ou política, não na dimensão aristotélica, mas naquela execrada até mesmo pelo senso comum. 

 

Notas:          


[1] AFONSO DA SILVA, José. Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 48. 


[2] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 79, 2019. p. 73 


[3] Aristóteles. Política (Spanish Edition) (p. 13). Greenbooks Editore. Edição do Kindle. 

 

 

 

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