“Lei Rouanet”: parece, mas não é
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Humberto Cunha Filho, Professor de Direitos Culturais nos programas de graduação, mestrado e doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Presidente de Honra do IBDCult – Instituto Brasileiro de Direitos Culturais. Autor, dentre outros, do livro “Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades” (Edições SESC-SP), cuja 3ª edição foi recém-publicada
Recorro à lembrança de uma antiga publicidade, pela qual se dizia que um produto capilar, apesar da aparência, da embalagem e do odor, não se tratava de um medicamento: "Denorex, parece, mas não é".
Essa lembrança me veio ao ler uma notícia sobre a consulta pública da Lei Rouanet, pela qual se busca — mais uma vez — corrigir o conjunto de distorções que a acompanha desde sua criação, já há mais de três décadas.
Este novo movimento de alteração da Rouanet — feito por meio de uma norma infralegal, de baixa hierarquia e controlada de forma monocrática — repetido periodicamente, levou-me a algumas reflexões de fundo. A principal delas é que a Rouanet, embora tenha número, ementa e todos os elementos formais de uma lei, deixou de funcionar como tal. Ela parece uma lei, mas já não é mais, na prática.
Sua força normativa primária foi sugada por cada um dos governos que a geriu, sempre com a estratégia ambígua de difamá-la, porém, acompanhada da promessa de corrigi-la.
A convocatória para uma consulta pública relativa a uma nova instrução normativa para a Rouanet tem alguns requintes capazes de orgulhar Maquiavel, caso tivesse sido proposta por discípulos seus.
O primeiro é o de dar nova feição à “Lei”, algo que, se lograr êxito, permite que uma única autoridade executiva possa substituir uma atividade que deveria ser do Congresso Nacional, precisamente a alteração substancial da norma.
Outra filigrana muito potente é a de, sob o argumento inebriante e sempre eficaz de corrigir as injustiças da Lei, fugir da execução de tarefas efetivamente necessárias e ainda pendentes.
De fato, essas modificações salvacionistas geralmente recaem apenas sobre o mecenato, sempre com o objetivo de anular sua dimensão mercadológica, todavia, sem resolver os problemas do Fundo Nacional de Cultura (como a histórica insuficiência de recursos), nem dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico (torná-los atrativos à indústria cultural, à semelhança da legislação do audiovisual), o que teria o potencial de equilibrar esse sistema de fomento.
Essa recorrência de alteração da Lei, por normas inferiores, sem resultados reais, não é apenas inconstitucional e devastadora de um sistema de fomento; é algo que nos faz pensar sobre os atos imediatistas e retóricos que não merecem o nome de políticas culturais, mas a ironia de políticas denorex.




