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Comunidades nas Constituições do Brasil e do México: cultura, afeto e autonomia

Atualizado: 4 de jun.

Humberto Cunha Filho, Professor de Direitos Culturais nos programas de graduação, mestrado e doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR, Presidente de Honra do IBDCult – Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, Autor, dentre outros, do livro “Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades” (Edições SESC-SP)



(Trecho do mural do Palácio do Governo do Estado de Tlaxcala – México – Obra de Desiderio Hernández - Foto do articulista)
(Trecho do mural do Palácio do Governo do Estado de Tlaxcala – México – Obra de Desiderio Hernández - Foto do articulista)

No texto atual da Constituição do Brasil, a palavra “comunidade” aparece onze vezes, sendo que em pelo menos nove delas deixa entrever as ideias de cultura e de afeto e, num quantitativo menor, de autonomia: cultura, sobretudo no sentido antropológico de ação humana; afeto, entendido a partir de relações determinadas pelo compartilhamento de valores e referenciais comuns, decorrentes da própria existência, independentemente de uma determinação jurídica; autonomia como a capacidade de produzir as próprias normas de convivência, dispondo dos mecanismos necessários a efetivá-las.


Para a Carta Política de 1988, em literais termos quantitativos, uma comunidade pode ser um micro grupamento, como a família (Art. 230); tem a possibilidade de envolver dezenas, centenas, milhares e até milhões de pessoas, a exemplo das comunidades indígenas (Art. 210) e quilombolas (Art. 68 do ADCT); chega mesmo a cobrir todo um continente, com a ideia de “comunidade latino-americana de nações” (Art. 4º) [1], e não comunidade latino-americana de estados, enfatize-se, o que faz toda a diferença, uma vez que nação é uma comunidade ampliada.


Dentre os direitos reconhecidos às distintas comunidades constitucionalmente citadas estão: proteções contra efeitos de greves (Art. 9º), ter participação no SUS (Art. 198), utilizar as línguas maternas (Art. 210), ser ouvidas e participarem dos benefícios de atividades econômicas em seus territórios (Art. 231), ajuizar ações para defender seus direitos e interesses (Art. 232), adquirir a propriedade de suas terras tradicionais (Art. 68 do ADCT).


Todos esses direitos são importantes, porém, em termos de explicitação autonômica [2], é provável que nenhum supere a previsão do Art. 231 da nossa Lei Maior, relacionado às comunidades indígenas, segundo o qual, a despeito do uso impróprio de um termo, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.


Apesar de tão ampla e significativa norma, cotidianamente o país convive com ocupações de terras indígenas, epidemias, fome extrema, gentrificação, desconsideração de direitos, como o de consulta prévia, livre e informada relativamente a ações que fática ou potencialmente os afete. Certamente essas coisas acontecem porque os legisladores e gestores deixaram de prever garantias eficientes para os direitos enunciados.


Aqui, para efeitos comparativos, entra a referência à Constituição do México, que conserva a data de 5 de fevereiro de 1917, mas que foi quase toda alterada, uma vez que lá adotam a concepção de poder constituinte permanente [3]. No texto que hoje vige, a palavra comunidade, no singular ou no plural, aparece 60 vezes, sendo que o art. 2º sofreu uma alteração em 30 de setembro de 2024, para definir que “são comunidades que fazem parte de um povo indígena, aquelas que formam uma unidade social, econômica e cultural, assentadas em um território e que reconhecem suas próprias autoridades de acordo com seus sistemas regulatórios[4].


Mas não para por aí, o México resolveu conferir aos seus povos e às suas comunidades indígenas um status equivalente ao dos entes da sua federação, nos seguintes termos: “Os povos e comunidades indígenas são reconhecidos como sujeitos de direito público com personalidade jurídica e patrimônio próprio[5]. Convém destacar que idênticos direitos também são constitucionalmente atribuídos às comunidades afromexicanas.


Com essas e outras inovadoras experiências constitucionais (a serem exploradas em artigos futuros), o México prenuncia uma nova revolução, com importância quiçá equivalente à de 1917, no sentido de aproximar os poderes políticos e econômicos das bases sociais, o único caminho para se construir a tão almejada democracia. Que sirva de exemplo para países que são pródigos em reconhecer direitos, porém, avarentos no estabelecimento de garantia, como infelizmente é o caso do Brasil.



Notas:   


[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em: 25 maio 2025. Disponível em: Constituição


[2] CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Cultura e democracia na Constituição Federal de 1988: a representação de interesses e sua aplicação ao Programa Nacional de Apoio à Cultura - Pronac. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004, p. 95.


[3] VIESCA, Jacinto Faya. El Federalismo Mexicano: régimen constitucional del sistema federal. México: INAD, 1988, p. 30.


[4] MÉXICO. Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos. Última reforma publicada en el diario oficial de la federación: 15 de abril de 2025. Acesso em 25 maio 2025. Disponível em: cpeum.pdf


[5] Idem


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