Imagem: Pixabay
O Micro Empresário Individual (MEI) é um dos três tipos de empresário individual previstos na legislação. Esta figura jurídica (híbrida entre pessoa física e jurídica [1]) está voltada à desburocratização e facilitação da formalização de pequenos empreendimentos. Importante destacar que o debate a seguir permanece atual, mesmo após a Reforma Tributária aprovada recentemente pelo Congresso.
Haverá um pequeno ajuste na alíquota, mas que não é objeto deste texto. Nosso objetivo aqui é explicar a necessidade de ampliação das atividades artísticas passíveis de serem exercidas nesta formatação jurídica.
O MEI é um instituto que visa a inclusão social. Tamanha é a sua importância que a Lei Complementar nº 123/2006, (art. 18-E §4º) determina que “é vedado impor restrições ao MEI relativamente ao exercício de profissão ou participação em licitações, em função da sua natureza jurídica”. Todavia, a prática muitas vezes é diferente para artistas.
A ocupação do MEI e sua relação com os CNAES [2] permitidos pelo Anexo XI da Resolução CGSN nº 140 de 2018 é no mínimo estranho [3]. De acordo com o art. 100 desta resolução, o MEI deve exercer de forma independente e exclusiva, apenas as ocupações constantes do Anexo XI. Todavia, as ocupações previstas no Anexo XI não correspondem, de forma exata, àquelas previstas no Código Brasileiro de Ocupações – CBO, regulamentado pela Portaria nº 397, de 09 de outubro de 2002. Diversas Ocupações do MEI não estão previstas no referido cadastro, o que reforça o fato de serem ocupações definidas de forma arbitrária e sem embasamento legal razoável.
Para exemplificar citamos o CNAE 9001902 de Produção musical. Este CNAE permite atividades [4] de produtor, de orquestra, de músico, mas fica restrita neste anexo à figura do Cantor(a)/músico(a) independente. O CNAE de Produção Teatral 9001901 fica restrito a humorista e contador de histórias. Como justificar que apenas estes tenham acesso a esta importante política? Por quê um ator independente, que faça trabalhos diferentes de contação de história, não poderia ser beneficiado por esta simplificação?
A verdade é que a doutrina (e também os Acórdãos 1203/20116 [5] e 42/20147 [6] do Tribunal de Contas da União) orienta que deve ser verificada a idoneidade da empresa e que sequer o CNAE de per si é suficiente para a exclusão em certame licitatório, por exemplo. No entanto, seguem as contabilidades restringindo o uso do MEI em decorrência desta estranha resolução que equipara CBO a CNAE.
Outro ponto que não faz qualquer sentido é a figura do promotor de eventos ser possível, desde que não seja eventos culturais. No caso, a Ocupação Promotor de Eventos é prevista como permitida ao MEI. Não obstante, há uma compreensão de que a produção de eventos artísticos e culturais não seria permitida ao MEI, visto que o CNAE vinculado a essa ocupação (Serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas) não abrangeria a produção de eventos artísticos e culturais [7].
Ocorre que a própria Lei Complementar nº 116/2003, que regulamenta o Imposto sobre Serviço – ISS, abrange tantos os eventos culturais como os “não culturais” (se essa distinção é possível) em uma mesma categoria: 12 – Serviços de diversões, lazer, entretenimento e congêneres. Apenas para elucidar, seguem os serviços relacionados nesta categoria:
12. Serviços de diversões, lazer, entretenimento e congêneres. 12.01 – Espetáculos teatrais; 12.02 – Exibições cinematográficas; 12.03 – Espetáculos circenses; 12.04 – Programas de auditório; 12.13 – Produção, mediante ou sem encomenda prévia, de eventos, espetáculos, entrevistas, shows, ballet, danças, desfiles, bailes, teatros, óperas, concertos, recitais, festivais e congêneres. [...] 12.17 – Recreação e animação, inclusive em festas e eventos de qualquer natureza.
Vale observar que o item 12.13 coloca em uma mesma categoria a produção de eventos e a produção de espetáculos, entrevistas, shows, ballet, dança, teatro, festivais e congêneres, não fazendo qualquer distinção entre eventos culturais e não culturais. Ora, se a própria lei que regulamenta o ISS não faz qualquer distinção entre o promotor de eventos e o promotor/produtor cultural, não poderá o CNAE, que sequer é regulamentado por lei, fazer restrição a essas atividades econômicas, tanto pelo princípio da legalidade quanto pelos direitos de liberdade econômica, como dito.
Ademais, a ocupação de “Promotor de eventos”, conforme no Anexo XI, não está prevista como uma ocupação profissional no Código Brasileiro de Ocupações – CBO. Nesse viés, a única profissão ali prevista é exatamente a de Produtor Cultural.
Não obstante a incoerência entre a previsão legal (LC nº 116/2003, que não prevê distinção entre a produção de eventos e a produção de eventos artísticos e culturais) e o disposto no regulamento do CGSN, o fato é que a exclusão das produções artísticas e culturais da Ocupação de Promotor de Eventos MEI é absolutamente incoerente com as demais Ocupações artísticas e culturais previstas no Anexo XI, bem como realizar distinção entre ocupações similares sem qualquer respaldo legal.
Por fim, frise-se: é urgente a ampliação dos benefícios tributários e burocráticos do MEI para todos os artistas independentes, pois são eminentemente empreendedores que precisam de amparo, especialmente da Previdência e a figura do MEI muitas vezes é a única possibilidade de formalização.
André Brayner é mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), com atuação científico-jurídica preponderante nos campos relacionados ao Direito Internacional, direitos culturais e terceiro setor, professor de Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)
Cecilia Rabelo é advogada, mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público e em Gestão de Políticas Culturais
Notas:
[1] Não obstante, a despeito de a atribuição de CNPJ ao MEI não ser suficiente para caracterizá-lo como pessoa jurídica, é certo, como bem delineado pelo STJ na jurisprudência ora analisada, que aquela categoria empresarial pode ser equiparada a pessoas jurídicas para específicos e determinados fins - notadamente, mas não exclusivamente, tributários - o que denota uma espécie de natureza "híbrida" desta categoria empresarial. 21. Na prática, o que se verifica é que a prevalência da natureza de pessoa física do MEI ou da equiparação deste à pessoa jurídica é aferida a partir da análise de cada caso concreto. AGU. PARECER n. 00252/2023/PF-ANTT/PGF/AGU.
[2] CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas
[3] Observa-se, portanto, que o que deve ser avaliado para saber se uma empresa ou MEI pode ou não realizar determinado serviço ou fornecer determinado produto é o Objeto Social/Ocupação e não exclusivamente os CNAE’s previstos em seu cartão CNPJ, informação meramente acessória e que deve analisada em relação ao Objeto Social/Ocupação.Nessa perspectiva, cabe ressaltar aqui que, em tese, não caberia ao MEI exercer atividades de profissões intelectuais, de natureza científica, literária ou artística, pois tais profissionais não seriam entendidos como empresariais, nos termos do art. 966, parágrafo único do Código Civil. Ocorre que, não obstante essa previsão legal, algumas atividades artísticas e culturais, eminentemente intelectuais, estão sim previstas no Anexo XI como ocupações permitidas ao MEI. Exemplos disso é a ocupação de Cantor/músico independente, de Instrutor de Arte e Cultura em Geral Independente e de Fotógrafo. Tal fato reforça, ainda mais, a arbitrariedade da definição das atividades possíveis ao MEI. (RABELO, Cecilia)
[4] Fonte IBGE: https://concla.ibge.gov.br/busca-online-cnae.html?subclasse=9001902&tipo=cnae&view=subclasse
[5] Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A1203%2520ANOACORDAO%253A2011/DTRELEVANCIA%2520desc%2
[6] Disponível em:https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A42%2520ANOACORDAO%2532014/DTRELEVANCIA%2520desc%252 C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/sinonimos%253Dfalse
Σχόλια