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Providência e Previdência para os artistas

Atualizado: 6 de abr. de 2020


Tenho profunda admiração pelos artistas porque eles desempenham uma espécie de sacerdócio profano por meio do qual cuidam dos aspectos subjetivos dos seres humanos como as necessidades estéticas, de divertimento, de reflexão e até ideológicas. Enfim, eles têm a difícil tarefa de, sem prometer um paraíso, nos lembrar que “somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos” (Shakespeare).

Sendo a imaginação a sua pátria, muito comumente os artistas constroem as suas riquezas apenas com essa substância que, para uma sociedade adestrada ao consumismo de coisas materiais, quase sempre não confere a eles o devido valor. O resultado é que, mesmo vivendo numa civilização do espetáculo, a sina mais comum dessas pessoas é a dedicação de suas vidas à arte para, em momentos como a velhice, conviverem com o desamparo.

Países como a França, mesmo interna e externamente atacada pelas ideias

neoliberais, mantém com orgulho e determinação um sistema previdenciário específico denominado de “intermittent du spetacle”, pelo qual os artistas e técnicos podem receber determinado valor mensal quando estão na “entressafra” de uma produção artística para a outra, tal como aqui no Brasil ocorre com os pescadores no período do defeso, assim designado porque durante ele a pesca fica proibida.

Os artistas, como quaisquer pessoas, precisam das condições básicas de sobrevivência para morar, se alimentar, se vestir, tratar da saúde, para si e para os seus dependentes. Em nosso país, porém, eles vivem um momento especialmente delicado, seja por supressão de políticas públicas no seu campo de atuação, seja pelo agravamento qualificado que esta pandemia que nos assola (COVID-19) se impõe sobre eles, uma vez que geralmente vivem da presença do público, o que agora não pode acontecer.

Assim é indispensável que, do ponto de vista imediato, os artistas sejam inseridos nas políticas de amparo às pessoas que estão impossibilitadas de trabalhar neste período e que não têm outra fonte de renda. O curioso é que alguns Estados e Município, ao invés de darem um benefício assistencial, abriram editais para que os artistas, com a dignidade de seus trabalhos, possam ofertar sua arte à população que tanto precisa, por meio da internet. Mas por incrível que pareça, alguns “homens de bem” andam a impugnar tal atitude, com o apelo demagógico de que o dinheiro seja aplicado em saúde, como se ela não fosse obtida pela regular manutenção das pessoas que fazem e recebem arte.

Essa é a luta do momento, mas quando a tempestade passar, penso que é o caso de o país debater sobre soluções mais permanentes de um amparo digno e específico às peculiaridades da classe artística.


05/04/2020

 

Humberto Cunha Filho

Professor de Direito na Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

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