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O Leão que pode fomentar a cultura


Imagem: Pixabay

Até o próximo dia 31 de maio, está aberto o prazo para o recebimento, pela Receita Federal, da Declaração de Imposto de Renda (DIRPF), referente ao ano de 2022. É a velha “mordida do leão”, que assusta tanta gente e que ainda causa tanta dor de cabeça para quem deixa para a última hora.


Apesar da burocracia envolvida, a Declaração do IR pode ser utilizada como um importante mecanismo de apoio às causas sociais, incluindo a cultura. A destinação do Imposto de Renda para o Fundo de Apoio à Criança e Adolescência já é algo um pouco mais corriqueiro, mas a possibilidade de destinar parte do imposto para a cultura ainda é uma prática muito tímida em nosso país.


Muita gente desconhece o mecanismo de fomento individual à cultura, estabelecido pela Lei nº 8.313/91 [1], a famosa Lei Rouanet, que autoriza pessoas físicas a deduzir até 6% dos seus Impostos de Renda devidos para projetos culturais, podendo abater de 80% a 100% do valor destinado. Sim, a Rouanet não é feita apenas de grandes empresas incentivadoras, também há espaço para nós, pessoas físicas, sermos incentivadores da cultura.


A Lei Rouanet foi elaborada em um contexto de uma política cultural econômica de cunho mais liberal, em que o governo federal diminui o seu protagonismo no incentivo direto ao setor, estimulando particulares, pessoas físicas e jurídicas, a incentivar a cultura a partir do mecanismo de renúncia fiscal. Essa opção de gestão foi baseada no modelo estadunidense, que tem na filantropia a sua estrutura principal de financiamento à cultura.


Nos Estados Unidos, a cultura é financiada de três formas: investimento público direto, doações privadas de pessoas físicas e jurídicas e incentivos fiscais. Conforme o estudo “Como os Estados Unidos Financiam às Artes” (How the United States Funds the Arts), publicado em 2012, pelo National Endowment for the Arts (NEA), principal instituição norte-americana para fomento às artes, a contribuição de pessoas físicas ao setor cultural é de 20% do total arrecadado, enquanto a contribuição de pessoas jurídicas é de apenas 8,4%.


No Brasil, por sua vez, a participação de pessoas físicas no fomento ao setor cultural não chega a 1%. É o que se percebe ao verificar os dados coletados pelo Observatório Itaú Cultural, que constata a predominância de pessoas jurídicas como os maiores incentivadores de 2010 a 2020 [2].





Esses dados foram também evidenciados no Boletim Mensal sobre os Subsídios da União, na Edição nº 16 de 2020, dedicada à Lei Federal de Incentivo à Cultura. Conforme o documento, o Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (SALIC) informa que “os grandes incentivadores de projetos culturais, e consequentemente, beneficiários do incentivo fiscal, são pessoas jurídicas, que, em 2018, receberam aproximadamente R$ 1,4 bilhões de renúncia, ao passo que as pessoas físicas, apenas R$ 47 milhões” (p.5).


É possível observar, portanto, que além da pequena participação de pessoas físicas no incentivo à cultura, os valores por elas despendidos são ainda ínfimos. Uma das dificuldades no aumento desse número é a própria ausência de uma cultura de filantropia no país, diferentemente da realidade norte-americana. Outra, é a própria desigualdade social no país, em que, de uma população estimada de 214,3 milhões de pessoas, apenas 31,9 milhões declaram IR, e, estas, como é de conhecimento geral, ainda possuem diversas dificuldades e dúvidas para lidar com essa declaração.


As cargas tributárias são onerosas e o dever de declarar o IR é algo ainda visto como assustador, já que pode trazer custos ao declarante. Além disso, o incentivo à cultura no IR deve ser declarado pelo modelo completo (diferentemente do apoio aos fundos de criança e adolescente e idosos, que pode ser feito no modelo simplificado de declaração), que tende a ser de preenchimento mais trabalhoso, mais demorado para restituir e, por ser mais detalhado, assusta aqueles que têm receio de cair na famosa “malha fina”.


Além disso, o ressarcimento do valor incentivado somente ocorrer no ano seguinte ao da doação realizada também pode ser um desestímulo ao apoio, já que, nas demais causas sociais, a restituição é feita no próprio ano da declaração.


Agrega-se a essas dificuldades o desconhecimento da sociedade em relação aos projetos culturais beneficiados pela Lei Rouanet. Para que a pessoa física possa incentivar um projeto, esse deve ter sido previamente cadastrado no SALIC, plataforma federal de recebimento de projetos da Rouanet, e aprovado pelo Ministério da Cultura, após cumprir vários requisitos normativos.


Em seguida, se a pessoa não for solicitada, por um agente cultural a diretamente apoiar um projeto, ela deverá escolher alguma iniciativa no site do Ministério da Cultura, realizar um depósito identificado na qualidade de agente incentivador e informar ao beneficiário para que este emita um “recibo de mecenato”, comprovando a doação. Com este em mãos, poderá no ano subsequente solicitar o abatimento no IR. Um pouco complicado para uma população que sequer tem a prática da doação via incentivo fiscal.


Como última dificuldade está o fato de que a porcentagem admitida para abatimento do valor doado ou patrocinado no IR engloba todos os projetos sociais e culturais para os quais a pessoa física queira incentivar. Isso significa que os 6% do IR destináveis podem ser divididos em projetos culturais, projetos voltados à assistência de pessoas com deficiência, menores ou à saúde, o que prejudica a cultura, pois, como visto, a destinação para projetos culturais percorre um caminho mais complexo do que as demais.


Diante desse contexto, é fácil compreender porque o apoio à cultura por pessoas físicas, mediante o incentivo fiscal estabelecido na Lei Rouanet, ainda é tímido. A solução para essa questão parece passar pela desburocratização desse tipo de apoio, facilitando o acesso das pessoas físicas aos projetos culturais, assim como é facilitada a destinação de IR para os fundos de criança, adolescente e idosos, a fim de que a cultura também possa se valer, de fato, desse importante mecanismo de renúncia fiscal.

Maria Helena Japiassu M. de Macedo, Advogada no RSLAW, servidora pública, pesquisadora em direito e artes, escritora de literatura. Mestranda em Direito no PPGD/UFPR. Membro do IBDCult


Cecília Rabelo, Advogada, Mestre em Direito e Especialista em Gestão e Políticas Culturais, Membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

Notas

[2] Ver em https://www.itaucultural.org.br/observatorio/paineldedados/publicacoes/boletins/analise-da-lei-federal-de-incentivo-a-cultura-2010-2020

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