top of page

Diversidade linguística e a língua do Direito brasileiro 

ree


Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo, advogada, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult, foi coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR entre 2022 e 2024. Visiting researcher junto à Cátedra Unesco de Bens Culturais e Direito Comparado na Unitelma Sapienza 

 

Em 24 de outubro de 2025, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou os dados do Censo Demográfico de 2022 a respeito do número de etnias e de línguas indígenas no território nacional. Os dados atualizados refletem um acréscimo no número total da população indígena, em comparação às estatísticas do Censo de 2010 (de 896.917 para 1.694.836 pessoas), no número de etnias (de 305 para 391) e de línguas indígenas identificadas (de 274 para 295).  

 

Sem contar as línguas afro-diaspóricas e de populações de migração mais ou menos recentes, como o italiano, o japonês, o alemão e o francês haitiano, pode-se dizer que, somando-se o português, ao menos 296 idiomas são falados no Brasil. Todos esses dados representam a rica diversidade linguística de nosso país. Mas qual é a língua do Direito brasileiro? 

 

Voltemos os olhos à Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) para compreender o contexto dos direitos culturais assegurados no que diz respeito ao tema. Ao tratar da “nacionalidade”, em capítulo constitucional específico, a nossa lei maior declara a língua portuguesa como idioma oficial do país (Art. 13, caput).  

 

Mais adiante, na redação constitucional, preocupando-se com o tema da “educação”, prevê que “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa”, assegurando-se “às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (Art. 210, § 2º). Reconhece, ao dispor sobre “os índios”, as suas línguas, e o dever da União de protegê-las e fazer respeitá-las (Art. 231, caput).  

 

A aparente exclusão da oficialidade atribuída à língua portuguesa do reconhecimento, respeito e uso de outros idiomas pode ser também equilibrado com o preceito constitucional do dever do Estado em proteger a diversidade linguística como “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional" (Art. 215, § 1º) ou ainda pela inclusão das formas de expressão linguística como parte do patrimônio cultural brasileiro (Art. 216, I). 

A interpretação sistemática dos preceitos constitucionais permite pensar a diversidade linguística como direito assegurado no Brasil. Contudo, a oficialidade do português como idioma comum no amplo território brasileiro ainda o faz ser a língua do Direito. Se a previsão do português como idioma oficial e franco — ou seja, como língua escolhida para atos formais e utilizada como meio de comunicação entre pessoas que não compartilham o mesmo idioma materno — parece ser ato conciliatório; é também ato discricionário e permeado de ambiguidades.  

 

A oficialização do português é herança histórica que acompanha a colonização do país e que, na ocupação e nas definições de limites do território, serviu como instrumento de construção nacional e de afirmação de soberania. A diversidade linguística é valor contemporâneo, mas os efeitos da colonialidade ainda se fazem sentir na hierarquização atribuída ao português como o idioma oficial do Direito brasileiro.  

 

Não se pretende argumentar contra o português como idioma comum, mas chamar a atenção para as ambiguidades que a determinação da sua oficialidade única oferece às populações que não o mantém como língua materna. Na divulgação dos dados linguísticos apresentada pelo IBGE, ao lado da valorização das línguas indígenas está a diminuição dos não falantes do português de 17,49% (2010) para 11,93% (2022), ainda que internamente às terras indígenas os não falantes de português tenham aumentado de 28,85% (2010) para 30,96% (2022).  

 

No entanto, os mesmos dados evidenciam as dificuldades enfrentadas pelas populações indígenas em relação ao exercício da cidadania, quando os seus idiomas maternos não são tidos como oficiais: como o enfrentamento de barreiras no acesso a serviços públicos — entre eles o acesso à justiça — , dificuldades na alfabetização e frequentes preconceitos.  

 

A diversidade linguística considerada como Direito expressa a riqueza cultural da sociedade brasileira, garante a pluralidade de modos de existir, pensar e sentir — preservando memórias, identidades, cosmologias e sistemas de conhecimento que não se traduzem integralmente em uma só língua.  

 

Sem políticas adequadas de proteção e valorização das línguas minoritárias, pode haver o reforço de desigualdades, perda linguística e identitária. Mais do que isso, valorizar a diversidade linguística é um exercício de empatia e alteridade, de reconhecimento das diferenças, de inclusão social e de convivência democrática. Esta deve ser a língua oficial do Direito brasileiro.  

Comentários


Apoio

FORTES - 0205 - Nova Logo.png
Logo Elore.png
  • Facebook ícone social
  • YouTube ícone social
  • Instagram
bottom of page