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O agir democrático e o princípio da subsidiariedade no âmbito dos direitos culturais

Atualizado: 19 de jul. de 2022


Esta foto de Autor desconhecido está licenciado em CC BY

Quando recebemos o honroso convite do Professor Patrice Meyer-Bisch para participar dos debates sobre uma possível atualização da Declaração de Friburgo, pusemo-nos a pensar como poderíamos contribuir.


Nossa primeira atitude operacional foi a de convocar uma reunião do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza – Brasil, que nos anos de 2022 e 2023 desenvolve o projeto “O agir democrático no âmbito dos direitos culturais”. O referido projeto resulta da preocupação de que as normas e as políticas culturais no Brasil costumam não seguir todos os cânones democráticos, por ser frequente a adoção de legislação editada por única autoridade, com pouco ou mesmo nenhum debate parlamentar ou social amplo, mesmo no caso de legislações muito importantes como a lei que instituiu o Plano Nacional de Cultura. [1]


Esta situação também se repete em muitas das políticas culturais, que até envolvem as camadas populares, porém, mais com o papel de “objetos” que de “sujeitos”. Os colegiados de salvaguarda do patrimônio cultural, em outro exemplo, ainda são compostos de “notáveis” ou de técnicos, que definem o quê, e como pode ser protegido enquanto patrimônio cultural.

Outro problema grave é a hipertrofia do governo federal que frequentemente suprime das instâncias municipais e estaduais (as que são mais próximas da população) o poder decisório sobre muitos temas, inclusive os culturais.


Deste modo, para manter a harmonia com o referido planejamento do Grupo de Fortaleza, sentimo-nos atraídos por estudar e eventualmente contribuir com reflexões sobre o Art. 9º da Declaração de Friburgo, que trata, segundo o texto original em francês, dos "principes de gouvernance démocratique”.


Pusemo-nos a estudar o dispositivo, mas de pronto nos deparamos com dois problemas: um de tradução e outro de estrutura sistêmica do documento. Quanto à tradução para o português, disponível no site do Grupo de Friburgo, consta “princípios de administração democrática”, enquanto na edição brasileira, publicada em livro do Observatório Itaú Cultural, usa-se a expressão “princípios de governança democrática”, sendo que governança e administração não são sinônimos perfeitos.


Em termos sistêmicos, descobrimos que só poderíamos entender adequadamente o Artigo 9º se tivéssemos uma noção de toda a Declaração, incluindo os seus “Considerandos”. Feito este estudo adicional, vimos ser muito avançada a Declaração, por não ter como devedor dos direitos enunciados apenas o Estado, mas também a sociedade civil e o universo empresarial, adotando uma atitude que por aqui chamamos de horizontalização de direitos fundamentais.


Em decorrência da percepção sistêmica da Declaração, concluímos que os Artigos 10, 11 e 12 são operacionais da governança democrática anunciada no Artigo 9º, para o universo econômico, para os Estados e para as organizações internacionais, respectivamente.


Desse ponto em diante, percebendo a nossa carência mais premente, que é um desejável agir democrático por parte do Estado, elaboramos nossa contribuição sobre o artigo 11, para nele explicitar dois pontos: alguns procedimentos democráticos mínimos e indispensáveis que, no contexto, ganham o status de garantias [2]; e a adoção expressa do princípio da subsidiariedade [3], para que o poder sempre seja exercido o mais próximo possível dos seus destinatários, bem como seu fluxo normal ocorra da base para o topo.


Nossa contribuição ficou consolidada na proposição de alterações e acréscimos redacionais sobre o Artigo 11, do seguinte modo:


Artigo 11 (Responsabilidade dos atores públicos)


Os Estados e os diversos atores públicos devem, no âmbito das suas competências e responsabilidades específicas:


a. integrar em todas as fases de suas legislações e de suas práticas nacionais os direitos reconhecidos na presente Declaração, segundo os métodos e meios nela previstos, assegurando, sobremodo, ampla participação social com respeito às peculiaridades comunitárias;

...

e. quando adotarem forma não unitária, devem reger sua normatividade e suas políticas culturais tendo por base o princípio da subsidiariedade.


Admitimos que as nossas sugestões podem ser realocadas no trabalho de sistematização da nova ou da renovada Declaração de Friburgo, de modo a alcançarem até mais projeção, porém, as consideramos muito importantes no aprimoramento democrático deste honorável documento, que é um farol para a construção das legislações nacionais e subnacionais.

Humberto Cunha Filho é Professor de Direitos Culturais nos programas de graduação, mestrado e doutorado da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Presidente de Honra do IBDCult – Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, Comentarista do Instituto Observatório do Direito Autoral – IODA e autor, dentre outros, dos livros “Teoria dos Direitos Culturais” (Edições SESC-SP) e “(F)Atos, Política(s) e Direitos Culturais” (Dialética-SP)

Notas e referências:

[1] Recentemente se viu uma feliz exceção a essa prática contumaz, a partir da aprovação congressual das Leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo, que demandaram forte mobilização não propriamente social, mas da comunidade cultural interessada, para a derrubada dos vetos presidenciais que foram apostos sobre as duas legislações de fomento à cultura; isso prova a importância da democracia cultural.


[2] Para aprofundar, ver o tópico “O sistema de garantias dos direitos culturais”, no livro “Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades” (Edições SESC-SP, 2ª ed., 2020), de autoria do signatário.


[3] Para aprofundar, ver o tópico “O princípio da subsidiariedade no Estado federal”, no livro “Patrimônio cultural, democracia e federalismo: comunidade e poder público na seleção dos bens culturais” (Editora Dialética -SP, 2020), de Allan Carlos Moreira Magalhães.

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