Credit: Benjamin Loyseau/Christo and Jeanne-Claude Foundation
Quem ultimamente passa pelo Arco do Triunfo, em Paris, dificilmente não será impactado pela instalação The Arc de Triomphe, Wrapped (1), realizada pelos artistas Christo (post-mortem) e Jeanne-Claude.
Trata-se da continuidade do projeto iniciado em 1961, que consiste em embalar o Arco do Triunfo com 25 mil metros quadrados de tecido reciclável em polipropileno, prata azulado, e 3 mil metros de cordão de polipropileno vermelho reciclável, como forma de provocar a reflexão sobre o monumento.
Com a reabertura, pós-covid, das fronteiras francesas para turistas vindos do Brasil (vacinados), trata-se de uma boa oportunidade para se discutir alguns elementos essenciais entre a arte e o direito a partir dessa nova instalação de Christo e Jeanne-Claude. Isto é, do ponto de vista jurídico, essa obra de arte estaria protegida pelos direitos autorais? Um turista brasileiro poderia fotografar o Arco do Triunfo Wrapped sem autorização dos autores? Poderia, ainda, vender ou utilizar comercialmente essas fotos?
De maneira geral, o princípio norteador é o da liberdade de se fotografar obras e monumentos franceses. No entanto, essa liberdade deve ser conciliada e observar alguns direitos, como o direito à segurança, o direito à imagem e, também, com os direitos autorais.
A “embalagem” do Arco do Triunfo não é a primeira obra desse gênero dos artistas Christo e Jeanne-Claude. Em 1985, eles embalaram, de forma igualmente monumental, a Pont Neuf, em Paris, e, devido ao seu sucesso, a imagem da obra começou a ser utilizada em inúmeros cartões postais sem a autorização dos autores. Surgiu, assim, a dúvida sobre se tal obra era protegida pelos direitos autorais. Isto é, tratando-se de obra original, nos termos do direito de autor francês e, consequentemente, se os autores teriam o direito exclusivo sobre as imagens dessa obra.
O Tribunal de Grandes Instâncias de Paris (TGI), inicialmente, rejeitou tal proteção, considerando que o simples procedimento de “embalar” uma obra não a tornaria “original” (2). A Corte de Apelações de Paris, contudo, em sentença de 13 de março de 1986, reverteu essa decisão e admitiu a proteção (3), considerando tratar-se de uma criação artística de forma original, expressa e concretizada.
Consequentemente, o fato de um terceiro a fotografar, publicar tais fotos e vender cartões postais retratando a embalagem da Pont Neuf, sem a autorização dos autores, constituía uma infração legal. Outra alteração artística em monumento público é a Torre Eiffel iluminada. A maior parte das grandes obras arquitetônicas de Paris está sob domínio público, podendo ser fotografada e ter imagens exploradas economicamente. Nessa categoria, estão: o Dôme des Invalides, o Hôtel de Ville, o Obelisco da Praça da Concórdia, a Ópera Garnier e também a Torre Eiffel. Mas essa última, exclusivamente, de dia!
As imagens diurnas da Torre Eiffel estão em domínio público (como Gustave Eiffel morreu em 1923, os direitos autorais que protegiam o seu trabalho expiraram em 1993), a sua iluminação noturna (dourada, cintilante, com farol e iluminação de eventos) é uma ideia original concretizada e, portanto, protegida pelos direitos autorais desde a sua criação, em 1985 (4), até 2055.
Em vista disso, a utilização comercial de imagens da Torre Eiffel à noite está sujeita à autorização prévia de seu titular, a Société d’Exploitation de la Tour Eiffel (SETE), mas fotografias noturnas, para uso individual e particular, são autorizadas e não requerem permissão prévia, segundo informações constantes no site da própria sociedade.
Em contrapartida, profissionais que quiserem utilizar sua imagem para fins comerciais somente poderão fazê-lo após o pagamento de direitos, cujo valor depende da utilização pretendida. Para tanto, devem entrar em contato diretamente com a SETE, que indicará as condições de utilização dessas imagens (5).
Em conclusão, mesmo em se tratando de monumentos públicos, como a pirâmide do Museu do Louvre, o Arco do Triunfo Wrapped ou a iluminação noturna da Torre Eiffel, influenciadores digitais, blogueiros, fotógrafos profissionais, editores e outros usuários profissionais devem ter cautela ao utilizar comercialmente a imagem de tais monumentos franceses, dado que, se ainda não estiverem em domínio público, poderá ser necessário obter autorização prévia de seus titulares antes de publicar, distribuir, reproduzir ou, de alguma forma, explorar comercialmente fotografias, mesmo que seja em uma conta aparentemente privada no Instagram.
*Anita Mattes é professora na área de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, doutora pela Université Paris-Sanclay, mestre pela Université Panthén-Sorbone, conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e advogada do Studio MATTES
(1) Mais informações em: https://christojeanneclaude.net e http://www.paris-arc-de-triomphe.fr/Actualites/L-Arc-de-triomphe-Wrapped-Paris-1961-2021.
(2) TGI Paris 26 mai 1987, D. 1988 (Affaire Christo).
(3) CA Paris 13mars 1986, D. 1987 (Affaire Christo).
(5) https://www.toureiffel.paris/fr/entreprise/utiliser-image-tour-eiffel.
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