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(Des) Educação Patrimonial


Estação de Parangaba, em Fortaleza – Ceará

Exemplo de Tombamento que ao invés de valorizar, humilhou o patrimônio cultural,

resultado da falta de educação patrimonial de autoridades e comunidades envolvidas


O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

Constituição Federal do Brasil (Art. 216, § 1º)


Parece haver um consenso, ainda a ser cientificamente medido, de que o poder público brasileiro não cumpre adequadamente os seus deveres de promover e proteger o patrimônio cultural, obrigações para as quais deve, por determinação da Constituição Federal, contar com a colaboração da comunidade.


A problemática resulta de múltiplas causas, como a indefinição de papéis e perfis, o que se evidencia, de um lado, pela confusão de um ativismo inconsequente, em que, por exemplo, o Legislativo realiza tombamentos, o Executivo legisla sobre a matéria, e o Judiciário, guindado desde 1988 ao status de superpoder, faz tudo.


De outro ângulo, sequer existe clareza do que seja uma comunidade, esse grupamento incerto em nome do qual, quando muito, são abertas consultas na internet, às quais geral e ocasionalmente acorrem intelectuais e militantes da causa, ou são feitas audiências públicas, com as mesmas pessoas.


É provável que isso ocorra porque, segundo a Portaria Iphan nº 375, de 19 de setembro de 2018 [1], que institui a Política de Patrimônio Cultural Material (PPCM) da autarquia, a despeito do que consta na Lei Maior, o princípio da colaboração, ao invés de estar ligado às comunidades, refere-se à “colaboração e cooperação entre as diferentes esferas do Poder Público e sociedade”.


É lição básica da Ciência Política que sociedade é algo diferente de comunidade, e para esta, na Portaria da PPCM, geralmente é reservado o papel de participação (tomar parte em algum momento do processo), algo diferente do constitucionalmente determinado, que é a colaboração, palavra que vem co-laborar, ou seja, laborar/trabalhar em conjunto, o que implica dizer em todos os momentos; porém, a este respeito, na única vez em que a expressão “colaboração da comunidade” aparece íntegra na mencionada Portaria (Art. 35), faz associação unicamente com as práticas de vigilância.


Muitos entendem que a panaceia para estes males seria a educação patrimonial, entendida, no âmbito do Iphan, a partir da Portaria em apreço, como “todos os processos educativos formais e não formais, construídos de forma coletiva e dialógica, que tem como foco o Patrimônio Cultural socialmente apropriado como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais, a fim de colaborar para sua preservação”, com o acréscimo de que “os processos educativos devem primar pelo diálogo permanente entre os envolvidos e pela participação efetiva das comunidades”.


É louvável que a Portaria não admita as soluções de gabinete, por mais geniais que sejam considerados seus ocupantes, bem como prescreva diálogos permanentes, significando colaboração em todas as fases. Mas as coisas realmente ocorrem assim? E se pensarmos em Estados e Municípios, a situação pode ser substancialmente mais grave.


Se as autoridades titubeiam nos conceitos e nas práticas, imaginem-se as pessoas vistas enquanto integrantes da sociedade ou de uma dada comunidade, que em virtude de largas e confusas compreensões do tema e pelo afã de que “alguma coisa seja feita”, por vezes focam suas demandas em compreensões estagnadas e parcializadas do patrimônio cultural, como a de empreender luta pela conservação dos prédios das antigas estações de trens, dissociada do questionamento sobre as razões de o Brasil ter abandonado e não retomar o modal ferroviário, como se esse tipo de transporte fosse algo superado no tempo e no espaço, e não vivo e em expansão mundo afora.

Precisamos de educação patrimonial, sim, para todos, inclusive e quiçá principalmente para os servidores públicos que lidam com esse importantíssimo segmento, pois é de se imaginar que não se ensina o que não se sabe.


Humberto Cunha Filho, Professor de Direitos Culturais nos programas de Graduação, Mestrado e Doutorado da Universidade de Fortaleza (Unifor), Presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), Autor, dentre outros, dos livros “Teoria dos Direitos Culturais” (Edições SESC-SP).

Nota :


[1] Ver em:

http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/portaria3752018sei_iphan0732090.pdf

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