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Os povos indígenas sofreram um processo de imposição cultural decorrente da colonização europeia na América que empregava a força e/ou a fé católica para subjugá-los. Eles foram obrigados a deixar os seus valores culturais para ingressar na “civilização”, adaptando-se aos valores culturais e religiosos europeus. Na atualidade, os povos originários estão sofrendo um novo processo de “adaptação” cultural, mas para retomarem valores e práticas culturais de seus antepassados, os quais foram obrigados a abdicar ou mesclar aos do colonizador.
A atual identidade cultural dos povos indígenas, advinda das interações sociais predominantemente com o “homem branco” ao longo dos séculos e dos momentos históricos do Brasil, como o período Colonial, Imperial e Republicano, agora é usada para lhes negar direitos, o direito a ser quem são (ou quem foram obrigados a ser).
Trata-se de um processo de iconização dos povos indígenas em que os mesmos apenas são reconhecidos como tal se apresentam algum sinal exterior, acessível aquele de pouca visão cultural, como vestimentas, pinturas corporais ou rituais tribais. Esses processos de exteriorização cultural são muito solicitados pelas empresas de turismo que prometem em seus anúncios passeios nas comunidades indígenas para uma imersão cultural.
Com isso, cria-se uma constante necessidade para os povos indígenas de resgate do passado e das tradições que antes de serem incorporadas às vivências desses povos é apropriado pela indústria do turismo, por meio de processo de teatralização desses rituais encenados pela própria comunidade e que são comercializados em pacotes turísticos para gerar entretenimento.
Os povos indígenas encontram-se, portanto, na contingência de um resgate permanente de uma identidade cultural que, não raras as vezes, não faz mais parte dos seus valores culturais e tradições. Não gera coesão social, pois são tradições mais encenadas do que vividas, e servem apenas para alcançar uma exigência estatal ou da sociedade envolvente que concebe a cultura indígena como se fosse estática, estanque e imóvel.
Contudo, esse tipo de pensamento não resiste à mais singela autocrítica, pois basta ver que os não índios do presente vivem de forma totalmente distinta daqueles que viveram no momento da chegada dos europeus nas Américas. Assim, condicionar o reconhecimento dos povos indígenas a um resgate de suas práticas culturais do passado é novamente afirmar que eles não possuem uma identidade cultural no presente.
A crítica apresentada não é para o resgate da memória e da identidade dos povos indígenas, mas para o direcionamento dessa volta ao passado para fabricar práticas culturais e introduzi-las como entretenimento e não como vivência social nas comunidades indígenas.
Trata-se, portanto, de um processo que merece atenção e deve ser conduzido por meio de um constante diálogo entre as comunidades indígenas, o Poder Público e a iniciativa privada, pois o turismo é uma fonte de renda, mas que precisa ser construída com sustentabilidade.
Allan Carlos Moreira Magalhães - Doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais. Articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Autor do livro “Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo”
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