As características do Sistema Nacional de Cultura
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Humberto Cunha Filho – Professor de Direitos Culturais nos programas de graduação, mestrado e doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Presidente de Honra do IBDCult – Instituto Brasileiro de Direitos Culturais. Autor, dentre outros, dos livros “Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades” (Edições SESC-SP)

Ao preparar-me para fazer uma participação no 21º ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, na primeira quinzena de agosto de 2025, precisamente na Mesa que discutiu o tema “Pactuação federativa nas políticas culturais: trilhas para planos de cultura”, veio-me a ideia de enviar aos meus grupos de WhatsApp (e de amigos), o seguinte pedido: “Aponte, com uma palavra, a principal característica do SNC – Sistema Nacional de Cultura”.
Realizei a coleta por meio de uma nuvem virtual, em que as palavras ficam destacadas por tamanhos, conforme a quantidade de citações, ou seja, quanto mais citadas, maior aparecem. No caso concreto, as respostas tiveram quatro níveis, a saber:
- No nível de maior destaque, as palavras mencionadas foram: articulação, descentralização e integração;
- No nível seguinte: centralização;
- No penúltimo nível: desconheço, diversidade, necessário e gestão;
- No nível de menor destaque: acessibilidade, complementaridade, confusão, controle, coordenação, democrático, desafio, estruturação, federação, importante, inacessível, inclusão, inoperante, irreal, metodologia, nacional, pactuação, redundante, transparência, unificação e verticalização.
De fato, quando surgiu a ideia de pedir a opinião de outras pessoas sobre o SNC, eu queria saber se havia proximidade ou distanciamento com as características que eu próprio deduzi para o mencionado Sistema, a partir da interpretação do Art. 216-A da Constituição do Brasil, combinado com a regulamentação até agora feita sobre ele, que são as seguintes: nacional, unitário, integrador e totalizante.
O fato de ser “Nacional” não significa apenas que é pertinente a todo o país, pois no campo da cultura essa característica diz mais: professa uma dimensão comum para o nosso território de dimensões continentais, lembrando a ideologia radicada no axioma de que “a cada Estado corresponde uma Nação”, algo francamente prejudicial à ideia de diversidade.
A própria Constituição de 1988, já havia superado essa compreensão ao trocar a ideia da época de Getúlio Vargas de “patrimônio histórico e artístico nacional”, por “patrimônio cultural brasileiro”.
Com direta correspondência à característica anterior, o SNC não é chamado de “único”, como o Sistema Único de Saúde, mas está estruturado para operar como se estivesse inserido em um país “unitário”, e não em uma federação; o que se conclui pelo fato de que ele se baseia no Plano Nacional de Cultura, cujas metas são disciplinadas por simples Portaria ministerial, significando dizer que, ao cabo, ele está submetido a uma autoridade monocrática.
A especificação “descentralizado” (Art. 216-A) apenas confirma isso, pois países como Portugal, Chile e Peru, que são unitários, também adotam a descentralização administrativa. Para ser federativo, o SNC deveria ser desconcentrado ou multicêntrico.
A característica de “integrador” é expressamente mencionada no inciso V do § 1º do Art. 216-A da Constituição Federal, e preocupa, sobretudo quando correlacionada às duas outras acima mencionadas, bem como à lembrança histórica de políticas integracionistas executadas em muitos momentos da história do Brasil, que se direcionavam a reconhecer apenas os que estivessem submetidos à ideia de comunhão nacional, sendo os povos indígenas os mais afetados em seus direitos de identidade e diversidade.
Por fim, o SNC tem um aspecto “totalizante”, em múltiplas direções, algumas das quais são bem visíveis: congrega vários outros sistemas, almeja englobar a totalidade dos temas culturais, define as estruturas orgânicas e suas funções e, para certificar-se de que nada saia do controle, somente reconhece como integrante seu o ente público que assinar documento de adesão.
Assim, retomando a enquete inicial, fiquei surpreso ao perceber que as palavras que usei para caracterizar o Sistema Nacional de Cultura apareceram nas respostas espontâneas, e mais surpreso ainda ao notar que o SNC é caracterizado a partir de adjetivos antagônicos o que, imagino, deva ser objeto de reflexão dos seus gestores.
Por fim, convém lembrar que a complexidade do Sistema Nacional de Cultura é a mais acentuada de todos os sistemas de políticas públicas, razão pela qual ele deve ser longamente refletido e experimentado, dada a dinâmica cultural, coisas difíceis de fazer com uma arquitetura que, a princípio, mostra-se feita de rígidos controles e centralização.
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