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A importância da salvaguarda do patrimônio alimentar para a Unesco


Imagem: Pixabay

Visando uma maior consciência da importância do patrimônio cultural imaterial para a humanidade, sua preservação e valorização, além da cooperação e assistência internacional nesse campo, a Unesco adotou, em sua 37ª Conferência Geral, em 17 de outubro de 2003, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Nos últimos anos, tal Convenção da Unesco tornou-se um alicerce relevante para as políticas públicas culturais e para os processos de patrimonialização de diversos Estados-membros.


Isto tudo, ao apresentar uma vasta e necessária definição de patrimônio cultural imaterial como “práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas (...) que se transmite de geração em geração, (...) gerando um sentimento de identidade e continuidade (...), dando, ainda, destaque à “participação das comunidades, grupos e organizações não-governamentais pertinentes” na “identificação e definição dos diversos elementos do patrimônio cultural imaterial presentes em territórios nacionais” e, por fim, estipulando como atribuição para os Estados-membros a adoção de medidas necessárias para garantir a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial [1].


O documento designa ainda um Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial que é responsável pela implementação, o fomento e a supervisão da aplicação da Convenção, principalmente por meio do desenvolvimento de uma série de diretrizes operacionais, formulação de melhores práticas e recomendações sobre medidas de salvaguarda do patrimônio, analisando e aprovando os pedidos de inscrição nas Listas da Unesco.


No espírito de que a “Convenção de 2003 conseguiu, em menos de duas décadas, dar outra dimensão e reinventar a noção de patrimônio” e que a salvaguarda e transmissão do conhecimento tradicional são uma prioridade para a Unesco, Audrey Azoulay (diretora-geral da Unesco) abriu, na última semana, em Rabat, capital do Marrocos, a 17ª sessão do Comitê Intergovernamental da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial [2].


A agenda do Comitê deste ano inclui o exame de 46 candidaturas para a inscrição na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, sendo que inúmeras buscam o reconhecimento da cultura e do conhecimento tradicional em torno de diversas práticas alimentares ao redor do mundo. Assim, temos, a tradição chinesa de preparação do chá, o saber tradicional do rum cubano, o banquete festivo Al-Mansaf da Jordânia, conhecimentos e práticas relacionadas à cultura do café Khawlani da Arábia Saudita, a preparação e a utilização da aguardente de ameixa da Sérvia, as práticas da culinária tunisina, as práticas e os saberes associados ao cultivo de tâmaras, a cultura do chá do Azerbaijão e a famosa cultura tradicional da baguete francesa - o pão tradicional francês que, surgido no início do século XX em Paris, continua, diariamente, a ser consumido por mais de 12 milhões de franceses, constituindo um verdadeiro hábito social e amigável na vida da sociedade francesa.


Observa-se que apesar dos acalorados debates suscitados nas primeiras discussões das diretivas operacionais da Convenção e da notória resistência de alguns Estados-membros no tocante à inclusão de elementos relativos e às práticas alimentares como patrimônio cultural imaterial da Unesco, atualmente temos não somente uma proliferação de candidaturas de elementos relacionados à alimentação e à cultura alimentar, mas um interesse claro da Unesco em nomear práticas alimentares como patrimônio cultural imaterial da humanidade.


A importância de salvaguardar o patrimônio alimentar para a Unesco revela que a instituição, nos últimos anos, compreendeu o valor de tal patrimônio e que sua amplitude vai muito além dos alimentos. Isto é, inclui práticas relacionadas à produção, ao cultivo e ao processamento de mantimentos, conhecimentos tradicionais e hábitos de consumo pertinentes a rituais particulares e, principalmente, à identidade de um povo. Compreender a necessidade de salvaguardar tal patrimônio de forma universal é entender que se trata de uma alavanca para a atratividade do território e a conservação da identidade de um povo, a sua paisagem e o meio ambiente que o circunda.

Anita Mattes, Professora na área de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, Doutora pela Université Paris-Sanclay, Mestre pela Université Panthén-Sorbone. Conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Sócia-fundadora do escritório Studio Mattes Notas

[2] Disponível em: https://ich.unesco.org/en/retransmission-en-direct-01288?webcast_id=00107.

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