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O Carnaval e o bloco de direitos que o acompanha 


Imagem: Pixabay
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O Direito tem como objetivo disciplinar as relações sociais. No mundo dos acontecimentos ou dos fatos, emergem inúmeros desafios jurídicos que ensejam o exercício jurídico, para gerenciar a convivência comunitária. O Carnaval é, antes de ser um direito, um fato, uma tradição que acompanha a história social brasileira e que é parte de nossa identidade cultural. Como fato, está sempre sob a atenção do Direito, que ora balança para promovê-lo, ora para restringi-lo.  

 

As relações do Carnaval com o Direito foram objeto de análise de Guilherme Varella, no livro “Direito à Folia: O direito ao Carnaval e a política pública do Carnaval de rua na cidade de São Paulo” (2024), publicado pela editora Alameda. É um estudo muito interessante para qualquer folião que queira compreender esse fenômeno cultural, não apenas na geografia de São Paulo, mas em todas as suas manifestações nacionais.  

 

O livro oferece um breve relato histórico de como o Carnaval foi se sedimentando na sociedade brasileira, desde os entrudos, os carnavais de rua, de clubes, de escolas de samba, blocos e práticas diversas. O foco principal, contudo, é demonstrar de que forma o Direito se relaciona com essa cultura que suspende o cotidiano com suas demonstrações festivas e como as políticas públicas de São Paulo tem lidado com os interesses em conflito. 

 

Não se pretende, neste artigo, resenhar o livro, apesar de deixar o convite para a leitura. Utilizo-o, no entanto, como mote, para evidenciar a complexidade dinâmica do Carnaval, cujas práticas chamam a atenção de diversos ramos do Direito. Assim, o Carnaval é além de um fato social, reconhecido também como um direito, na medida em que é da liberdade cidadã realizar as suas manifestações culturais e usufruir do espaço público. Tamanha é a sua importância no contexto brasileiro que muitas das suas modalidades são consideradas patrimônio cultural, em âmbitos regionais, nacionais e mesmo internacional, sendo seus bens culturais protegidos por órgãos como o Iphan e a Unesco. 

 

As expressões carnavalescas, contudo, nem sempre agradam a toda sociedade, causando conflitos de interesse que abrangem desde argumentos morais a assédio sexual, violência urbana, higiene, perturbação ao sossego, fluxo de automóveis entre outras questões. Os direitos e políticas públicas voltados ao Carnaval servem, dessa forma, para regulamentar e fomentar o ambiente social em que as manifestações culturais ocorrem.  

 

Muitas críticas de oposição ao Carnaval se direcionam às fantasias exteriorizadas em suas práticas, não exatamente aquelas atreladas às vestimentas que o público incorpora, mas às possibilidades performativas dos sujeitos foliões. A suspensão do cotidiano traz consigo a euforia, a liberação do superego, o travestir-se diferente, a alteração da consciência, em transcendência coletiva. É, assim, uma prática cultural dialógica e democrática, em que a  liberdade de performances sociais plurais, por vezes, são percebidas como ameaças morais e políticas.  

 

Como uma festa de rua, a realização pacífica do Carnaval requer o desenho normativo da garantia pública da segurança e da saúde, da gestão urbana, dos desvios e alterações de linhas de trânsito e circuitos pedestres, e é oportunidade para promoção de campanhas de conscientização de direitos. Se a festa é fato, a disciplina que a acompanha serve para permitir a sua bem-sucedida realização.  

 

O que não cabe ao direito é a fantasia de tolher a existência das manifestações carnavalescas. Ao contrário da moral, que é de cunho individual, o direito, no contexto da democracia brasileira, é pautado pelos limites das normas constitucionais de um estado laico e que valorizam a diversidade cultural e a plena realização dos direitos culturais. Então deixemos o Carnaval ocupar as ruas e avenidas, acompanhado do bloco de direitos que promovem a sua alegria!  


Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo é advogada, servidora pública, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult e coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR

 

Referências: 

 

 

 

 

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