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Nova Instrução Normativa da Rouanet e a participação popular


Imagem: Pixabay


Além do Decreto de Fomento à Cultura, que está prestes a ser assinado pelo presidente da República, o secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura (SEFIC/MinC) anunciou que está elaborando uma nova Instrução Normativa (IN) “que definirá novos procedimentos para apresentação, recebimento, análise, homologação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados de projetos culturais financiados por meio do mecanismo de Incentivo Fiscal do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac)”.


A nova IN está sendo bastante aguardada pelo campo da produção cultural, sobretudo em razão das normas anteriores que asfixiaram o setor, afetando o bom funcionamento do sistema de financiamento aos projetos culturais. As gestões pretéritas da então Secretaria Especial de Cultura minguaram o fomento à cultura no Brasil através de normas infralegais - Decretos e Instruções Normativas ainda vigentes - que criavam empecilhos ao financiamento público.


Esse método perverso funcionou. A edição deliberada de normas infralegais controversas do Governo Bolsonaro foi tamanha, que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 918) [1] perante o Supremo Tribunal Federal (STF), demonstrando o “estado de coisas inconstitucional” da política nacional de cultura.


Noutras palavras, foi uma enxurrada de normas do Poder Executivo Federal que afrontava os direitos culturais, os quais são considerados, além de fundamentais, direitos humanos. Esse modus operandi, porém, não pode deixar vestígios nas atuais políticas culturais. É necessário romper com o autoritarismo que privilegia a centralização dos processos decisórios, principalmente o da criação de normas jurídicas voltadas ao segmento cultural, as quais deveriam advir de um debate profundo e participativo da sociedade, por mais técnico que possa parecer o tema.


É importante reforçar a necessidade de se iniciar, o quanto antes, um debate sobre a mudança do sistema de fomento, com a participação dos múltiplos agentes interessados, como bem sinaliza o Marco Regulatório do Fomento à Cultura, o PL 3905/21 [2] que tramita no Congresso Nacional. Apesar da compreensível urgência da “retomada”, as novas leis de incentivo não podem prescindir da participação popular, que é, segundo Humberto Cunha Filho [3], um dos princípios constitucionais culturais.


O chamado Decreto do Fomento e a IN da Rouanet, que serão normas concebidas pelo Poder Executivo, ainda não foram colocadas para Consulta Pública, o que seria considerado uma boa prática de gestão pública.


O Poder Executivo Federal tem tradição e memória de proveitosas consultas dessa natureza. Algumas instituições inclusive, já estão fazendo isso; basta uma rápida olhada no site www.participa.br para constatar duas experiências em andamento: (i) a Agência Nacional de Cinema - Ancine, já em 2023, encampou uma consulta pública acerca da sua agenda regulatória para o biênio 2023/2024, incluindo as Instruções Normativas que pretende revisar e (ii) o Núcleo de Pesquisa em Direito do Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Ouro Preto também está fazendo uma consulta acerca da revisão da legislação de patrimônio cultural no Brasil.


É preciso relembrar que, além de uma boa prática, a democratização dos processos decisórios com participação e controle social é um mandamento constitucional (art. 216-A, §1º, X) que deve orientar o necessário debate acerca do fomento à cultura no Brasil, sob pena de reproduzirmos uma lógica perversa de exclusão dos múltiplos agentes interessados no tema.

Mário Pragmácio, Advogado, Doutor em Direito (PUC-Rio), Professor de Legislação de Incentivo à Cultura e Direitos Autorais do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

Notas

[1] Ver em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-10/pragmacio-adpf-918-monumento-aniquilamento-cultura

[3] CUNHA FILHO, Humberto Cunha. Teoria dos Direitos Culturais. São Paulo: Edições SESC, 2018

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