Memórias acessíveis: um desafio para as bibliotecas
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José Olímpio Ferreira Neto, Capoeirista, Advogado, Professor, Mestre em Ensino e Formação Docente, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Membro da Comissão de Direitos Culturais da OAB Ceará. Membro da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: joseolimpio.ferreira@educacao.fortaleza.ce.gov.br
O desenvolvimento da acessibilidade é algo dinâmico, exigindo atualização constante de ações e estratégias. A exclusão de grupos minoritários da experiência cultural, tais como as pessoas com deficiência, perpetua desigualdades sociais. Por sua vez, a acessibilidade aos espaços de memórias, como as bibliotecas, contribui para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Segundo Luís Milanesi: “[...] não existem bibliotecas definitivas, [pois elas trazem em si] as contradições que vão exigir novos desdobramentos". Por tanto, é fundamental que as bibliotecas acompanhem as novas tecnologias e tendências.
O Art. 30, 1, c, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, conforme o Decreto nº 6.949/2009, reconhece o direito das pessoas com deficiência “[...] de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, [devendo tomar] todas as medidas apropriadas para [o] acesso a [diversos] locais, tais como [...] bibliotecas”.
Cabe ao Estado o dever de proporcionar o acesso aos bens culturais indistintamente. Segundo o Art. 215, da Constituição Federal do Brasil de 1988, os direitos culturais e o acesso à cultura devem ser exercidos plenamente por todas as pessoas. Em âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu Art. 22, destaca os direitos culturais como indispensáveis à dignidade humana e ao desenvolvimento das pessoas. Além disso, o Art. 27, declara o direito que todo ser humano tem “[...] de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Mesmo que haja previsão em documentos jurídicos, nacionais e internacionais, a realidade apresenta diversos obstáculos à acessibilidade.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, em seu Art. 3º, IV, aponta para sete tipos de barreiras: urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações/informação, atitudinais e tecnológicas. Essas barreiras obstam o acesso das pessoas com deficiências a diversas atividades, entre elas, o acesso às instituições de memórias coletivas, como as bibliotecas. Por sua vez, a Resolução nº 245/2021, do Conselho Federal de Biblioteconomia, indica, no Art. 3º, VII, que “a biblioteca pública assegurará a [...] garantia da acessibilidade arquitetônica, atitudinal, comunicacional, instrumental, metodológica, programática e tecnológica [...]”.
O estabelecimento de estruturas jurídicas, oriundas das lutas por direitos, com a participação da comunidade, é indispensável para que as pessoas com deficiência gozem da vida cultural e exerçam o protagonismo na construção de ambientes mais inclusivos.
Assim, é cada vez mais necessário um diálogo aproximado entre gestores culturais, o poder público e a sociedade civil, para que possam trabalhar juntos e promover a inclusão e a acessibilidade. Entre as iniciativas que podem ser tomadas, é possível destacar a aquisição de acervo em Braille e audiolivros para bibliotecas; intérpretes de Libras em eventos culturais promovidos pelas instituições; adaptação das instalações das bibliotecas para atender às necessidades de pessoas com deficiência; formação de profissionais capacitados para trabalhar com pessoas com deficiência; etc.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu Art. 68, estabelece que “o Poder Público deve adotar mecanismos de incentivo à produção, à edição, à difusão, à distribuição e à comercialização de livros em formatos acessíveis”. Assim, é possível garantir “[...] à pessoa com deficiência o direito de acesso à leitura, à informação e à comunicação”. Nesse contexto, é preciso destacar que as pessoas com deficiência não são apenas consumidores, mas que também podem participar da produção desses bens culturais que circulam nas bibliotecas.
Nessa esteira, é necessário reafirmar as bibliotecas para além de um centro de informação, mais que isso, são centros de formação para a coletividade, são espaços de lazer e lugares de preservação da memória, onde pode haver a oportunidade de produzir cultura por e para todas as pessoas, sobretudo com os instrumentos adequados que garantam acessibilidade e inclusão. Nesse sentido, a Biblioteca Pública Estadual do Ceará - BECE promove várias atividades, estabelecendo-se como um espaço de discussão e produção de conhecimento. Entre essas ações, também envolve práticas educativas com as pessoas com deficiência, favorecendo a participação e acesso universal às memórias.
O exemplo apresentado demonstra que é possível pensar em ações e estratégias para que as bibliotecas tenham uma dinâmica de acessibilidade cada vez mais comprometida com a inclusão. No entanto, é fundamental que essas instituições continuem investindo nessa direção, inspirando pelo exemplo, de modo a garantir que todas as pessoas possam ter acesso às memórias.
Referências
BRASIL. Resolução CFB Nº 245, de 24 de novembro de 2021. Dispõe sobre os parâmetros a serem adotados para a estruturação e o funcionamento das bibliotecas públicas. http://repositorio.cfb.org.br/bitstream/123456789/1377/1/Resolu%c3%a7%c3%a3o%20245%20Biblioteca%20Pu%cc%81blica.pdf. Acesso em: 30 de abr. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 30 de abr. 2025.
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm. Acesso em: 30 de abr. 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 de abr. 2025.
FERREIRA NETO, J. O. Lei Paulo Gustavo, Direitos Culturais e Desenvolvimento Humano: por uma Pedagogia da Diferença e ampla Participação Popular. 2022. MARTINS, G.; KULEMEYER, J.; DE MARCH, K.; VELOZZO, M. A. (orgs.). Gestão Cultural: Especialização e Residência Técnica, 2024.
MILANESI, L. A. O que é biblioteca. (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 1983.
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