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Democracia e Patrimônio na Carta Cultural Ibero-Americana

Atualizado: 10 de out. de 2022

Esta imagem compõe as publicações oficiais desse documento internacional


A Carta Cultural Ibero-Americana [1], compromisso voluntário de cooperação decorrente da solidariedade dos Estados, tem como um dos seus pilares de sustentação a diversidade cultural, em que unidade e diferenças culturais são pensadas de forma dinâmica para a composição de um sistema cultural integrado, pois a complexidade é vista como um fator para potencializar a capacidade criativa dos diferentes povos, comunidades, grupos e indivíduos.


Os princípios enunciados na Declaração sobre a Diversidade Cultural [2] e na Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais [3], ambas capitaneadas pela Unesco, são alguns dos antecedentes internacionais e fonte de inspiração da Carta Cultural Ibero-Americana, o que se evidencia pela ênfase dada por esta Carta à diversidade cultural, considerada uma condição fundamental para a existência humana; assim como o enfoque dado à relação entre cultura e desenvolvimento sustentável.

A democracia tem lugar de destaque na Carta Cultural Ibero-Americana, pois os Chefes de Estado e de Governo da Ibero-América reconhecem que a cultura e a sua gestão encontram melhor desenvolvimento nos sistemas democráticos porque permitem a liberdade de expressão e de criação e garantem a participação dos povos na cultura, num ambiente de liberdade e justiça.


O princípio da participação coloca os indivíduos, os grupos e as comunidades como essenciais para o desenvolvimento das culturas e a fundamentalidade dos direitos culturais dão as bases para a plena cidadania, conferindo a esses atores o protagonismo no campo cultural. Contudo, são necessários marcos normativos e institucionais viabilizadores da participação dos cidadãos.


A presente abordagem tem enfoque no patrimônio cultural da Ibero-América que a Carta Cultural reconhece como comum e diverso a esta região, enfatizando a necessidade de promovê-lo e protegê-lo, inserindo-o como um dos seus fins fomentar a proteção e a divulgação do patrimônio cultural e natural (material e imaterial), indicando a cooperação entre os países da Ibero-América como um dos meios para atingir referidos fins.


Um dos passos dados nesse sentido é o desenvolvimento do Plano Ibero-Americano para reconhecer, proteger e salvaguardar o patrimônio cultural, a ser desenhado em conformidade com a legislação internacional e local que foi inserido como linha de ação do Plano de Ação Quadrienal da Cooperação Ibero-Americana (PACCI) 2015-2018 e mantido no Plano 2019-2022 [4].


A Secretaria-Geral Ibero-Americana (SEGIB) foi instada, portanto, a fazer avançar o Plano Ibero-Americano do Patrimônio Cultural [5], consolidado em 2016 na reunião de peritos realizada em Madri e estabeleceu três eixos de ação e três objetivos estratégicos.


E, como o nosso segundo enfoque são os aspectos democráticos no que toca o agir democrático na seleção, promoção e proteção do patrimônio cultural, vamos dar destaque a uma ausência no Eixo 1 – proteção e reconhecimento do patrimônio cultural, pois nenhum dos objetivos estratégicos, e nenhuma das linhas de ação abordam expressamente a participação da comunidade, quando se faz necessário nesta fase, considerando que as próprias bases para as escolhas dos bens que devem integrar o patrimônio cultural precisam desse elemento participativo.


A comunidade é um dos elementos intrínsecos da definição, em concreto, de um bem como patrimônio cultural. Ou seja, um bem é considerado como tal quando definido em função dos valores a ele atribuídos pela comunidade e com a sua colaboração, e não mais em função apenas das características de excepcionalidade e monumentalidade, identificada por experts e peritos.


No Eixo 1I - Conservação, salvaguarda e apropriação social do patrimônio cultural a participação da comunidade encontra previsão de forma expressa, no Resultado 3 (OE2-R3) em que se busca saber se o valor social do patrimônio cultural da região da Ibero-América foi promovido e se houve a referida participação na conservação e salvaguarda, o que é aferido pelo número de entidades privadas criadas ou apoiadas que atuam na apropriação social do patrimônio cultural. A linha de ação 2 (OE2-R3-LA2) afere a participação da comunidade no quantitativo de projetos criados e/ou apoiados que estabelecem canais para a participação das comunidades.


Já no Eixo 1II – Acessibilidade e difusão do patrimônio cultural na era digital a preocupação do Plano, neste eixo, é mais com o acesso democrático e a difusão do patrimônio cultural na era digital, cuja relevância é inegável, mas não é objeto das reflexões deste ensaio, pois neste eixo as ações de promoção e proteção de um patrimônio cultural pressupõem um bem já reconhecido como tal e a sua inserção no meio digital.


A presente reflexão, contudo, se preocupa com o momento anterior, qual seja, aquele em que se define os bens que integrarão o patrimônio cultural da Ibero-América, no sentido de que esta definição deve ter uma colaboração da comunidade, sendo dever dos Estados criar e apoiar canais de participação da comunidade neste momento inicial.


Com isso, um ponto propositivo para um aperfeiçoamento do Plano Ibero-Americano do Patrimônio Cultural é impulsionar a participação democrática desde o momento da escolha do que se vai proteger como patrimônio cultural, pois essas escolhas precisam ser construídas de forma colaborativa entre Estado e Comunidade, pois são elas (escolhas) que irão estabelecer o que sobreviverá do conjunto de bens culturais que existiu no passado e que serão legados às futuras gerações.


O presente texto serviu de base para a exposição do autor no XI Encontro Internacional de Direitos Culturais na Mesa Institucional “valores democráticos e direitos fundamentais na Carta Ibero-Americana de Direito da Cultura” composta, além do autor, por Jesús Prieto de Pedro (Fundación Gabeiras-Espanha), Marila Vellozo (UNESPAR) e Rodrigo Vieira Costa (UFERSA). que pode ser acessada por este link.


Allan Carlos Moreira Magalhães, Doutor e Pós-Doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais, articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e autor do livro “Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo”

Notas


[1] OEI. Carta Cultural Ibero-Americana. 2006. Disponível em: <https://oei.int/pt/escritorios/secretaria-geral/publicacoes/carta-cultural-ibero-americana>. Acesso em 7 set. 2022.


[2] UNESCO. Declaração universal sobre a diversidade cultural. 2002. Disponível em: < https://www.oas.org/dil/port/2001%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20sobre%20a%20Diversidade%20Cultural%20da%20UNESCO.pdf>. Acesso em: 20 set. 2022.


[3] UNESCO. Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. 2005. Disponível em: < https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000150224>. Acesso em: 20 set. 2022


[4] SEGIB. Secretaria Geral Ibero-Americana. II Plano de Ação Quadrienal da Cooperação Ibero-Americana (PAQCI) 2019-2022. 2019. Disponível em: <https://www.segib.org/wp-content/uploads/II-PACCI-ESP-PORT-Baja-OK.pdf>. Acesso em 26 set. 2022.


[5] SEGIB. Secretaria Geral Ibero-Americana. Plan iberoamericano para reconecer, proteger y salvaguardar el patrimonio cultural. 2016 Disponível em: <http://www.ibermuseos.org/pt/recursos/documentos/plano-ibero-americano-para-reconhecer-proteger-e-salvaguardar-o-patrimonio-cultural/>. Acesso em: 20 set. 2022.

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