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Arte é linguagem, linguagem é cultura


Instalação criada por Cláudio Damasceno

A arte é a mais remota forma de transmissão de conhecimentos que o ser humano domina. Em que pese o anacronismo do termo para significar ações humanas recuadas no tempo, impossíveis de serem cabalmente compreendidas, pode-se considerar que tecnicamente arte é linguagem. Portanto, os feitos estéticos atuais e de outrora que denotam a intenção de representar algo estão abrangidos pelo termo. Quanto à estética, do grego aisthetiké, enquanto Platão (428-347 a.C.) a tinha como idealização do belo, a concepção de Aristóteles (384-322 a. C) a define como forma e imitação. Porém, não há discrepâncias em sua aplicação, a qualquer tempo, para explicar os feitos artísticos que necessariamente possuem uma forma definida, quer seja na esfera material, quer seja no campo simbólico (1).


Assim, independentemente das estruturas dos grupos humanos que no decurso de milênios sustentaram o labor artístico, o legado arqueológico dessas remotas culturas é constituído por espécimes idealizados e produzidos sob orientações estéticas – à exemplo dos similares realizados hoje – por indígenas de todos os continentes. Desse modo, pinturas e gravuras rupestres, esculturas e uma grande quantidade de utensílios catalogados nos museus formam um amplo acervo cultural e artístico antropologicamente instigante, uma amostra de signos visuais reincidentes em seus grupos que atestam a vocação consciente humana à produção cultural, à comunicação e ao ensino das práticas artísticas.


Consequentemente, é possível acreditar que o legado artístico de tempos passados é produto de grupos ou indivíduos que foram preparados e chancelados para realizá-los. Estes objetos e signos foram, à sua época, extensões materiais e intelectuais de quem os produziu, com a definida intenção de fixar conhecimentos.


Isto significa dizer que o ser humano desde sempre criou e produziu artes porque ela tem importância vital para sua existência, tanto para refletir a realidade que se lhe revela, segundo seu nível de percepção, quanto para quantificá-la e transmiti-la. As linguagens normativas são desdobramentos desse exercício cultural milenar.


A arte (ars) é compreendida no campo das ciências humanas e sociais como um processo sociocultural desenvolvido pelo homo faber desde a criação das primeiras técnicas (techné) aplicadas a utensílios e ferramentas (2). Isso explica porque na literatura ocidental a palavra arte era empregada no século 18 com o mesmo significado de “habilidade” e, desse modo, porque muitos carpinteiros, pintores e até falsificadores eram considerados hábeis (dotados de arte).


A arte também é uma atividade que alimenta a cultura transpassando os tipos e gêneros culturais produzidos pela humanidade. Nesse sentido, ela assume a ambivalência de ser uma manifestação em si, quanto ao objeto e a forma, bem como também é uma qualidade das realizações no campo da cultura.


Em princípios do século 19, a noção de arte estaria mais integrada a um universo de atividades imaginativas, praticadas apenas pela pessoa do “artista”. Concomitantemente teria surgido a figura do “esteta” como a pessoa especializada nos estudos em Estética e do julgamento da arte.


Assim, artistas e estetas exerciam atividade intelectualizada particular – associada ao meio urbano e de caráter liberal – apartada das atividades executadas pela “população” e pela “burguesia” (3). Deste modo, a estreita relação entre arte e cultura é o objeto de pesquisas da História da Arte e da História Cultural desde aquele século (4). A mesma relação entre arte e cultura somente seria objeto da Antropologia Cultural, da Sociologia da Arte (5) e do Direito da Arte (6) já em fins daquele século e princípios do século 20. O debate sobre arte e cultura também se renova neste século 21, fundamentado na autonomia das linguagens artísticas e no alargamento da ideia de cultura. Esta reflexão parte da relevância dada à arte como campo de experimentação. Portanto, hoje a arte é vista como um espaço das linguagens abertas, em que os gêneros artísticos assumem suas expressividades e originalidade (7).


Gilmara Benevides é Doutora em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduada em Direito e História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro da Association of Critical Heritage Studies (ACHS). Membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Professora de Direito nas Faculdades Integradas do Ceará (UNIFIC). Email: gilmara.benevides@yahoo.com.br.


Cláudio Damasceno é Mestrando em Educação Profissional Tecnológica (PROFEPT) pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). Especialista em educação pela Universidade Potiguar (UnP). Graduado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE). Email: claudio.damasceno@ifce.edu.br.


(1) CUNHA, Paulo Ferreira da. Arqueologias jurídicas: ensaios jurídico-humanísticos e jurídico-políticos. Porto: Lello Editores, 1996.

(2) LEVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cossac Naify, 2014.

(3) WILLIAMS, Raymond. Culture and society: 1780-1950. London: Hogwart Press, 1987.

(4) KRIEGER, Peter. El “derecho” en las investigaciones estéticas: nuevas exigencias para la historia del arte. UNAM: Anales del Instituto de Investigaciones Estéticas, num. 78, 2001.

(5) GELL, Alfred. Arte y agencia: una teoría antropológica. 1ª ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: SB, 2016.

(6) FRANCA FILHO. Marcílio Toscano. Cartografia exploratória do direito da arte no Brasil: por onde começar a estudar? 2019. Gen Jurídico. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/06/13/direito-da-arte-brasil. Acesso em: 10 de agosto de 2021.

(7) DANTO, Arthur Coleman. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.

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