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A diplomacia cultural contemporânea e o papel ambivalente da diáspora italiana  

Atualizado: 12 de nov.


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Anita Mattes, doutora pela Université Paris-Saclay, mestre pela Université Panthéon-Sorbonne, professora de Direito Internacional, diretora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e especialista em Direitos Culturais, Migratório e Família internacional - advogada do Studio MATTES (avv.mattes@gmail.com)


Em recente conferência em Roma, o Ministério das Relações Exteriores da Itália, em colaboração com a Organização Internacional Ítalo-Latino-Americana (IILA), promoveu e reafirmou a ideia da “Itália, América Latina e Caribe: juntos pelo crescimento”.  


O objetivo, de acordo com o governo italiano, seria de “valorizar as conexões históricas, culturais e econômicas” entre o país e a região por meio dos laços “fortalecidos com grande empenho nos últimos anos, entre a Itália e esses países, e de olhar juntos para o futuro. Tal plano para fomentar vínculos e, principalmente as exportações italianas, em países da América Latina, reflete facetas instigantes e, ao mesmo tempo, complexas da política italiana contemporânea. 


De um lado, observa-se a ênfase da Diplomacia Cultural, entendida como o uso estratégico da cultura para reposicionar a Itália como ponte simbólica, econômica e política entre a Europa e a América Latina, fortalecendo vínculos históricos e projetando a imagem do país no cenário internacional.  


Os dados econômicos apresentados pelo Ministério são expressivos e justificam o encorajamento dessa “parceria crescente” na região. Em 2024, o comércio entre a Itália e os países latino-americanos atingiu 33 bilhões de euros, dos quais quase 21 bilhões correspondem a exportações italianas. Além disso, existem hoje mais de 3 mil empresas italianas ativas na região, empregando quase 20 mil pessoas e movimentando um faturamento de 70 bilhões de euros [1]


Tal iniciativa demonstra uma estratégia geopolítica de soft power que faz da cultura italiana um instrumento de influência e capital simbólico, alavancando suas conexões históricas, culturais e, principalmente, econômicas. A cultura, que molda valores, comportamentos e narrativas coletivas, é representada no design, na moda, na gastronomia e no patrimônio cultural italiano criando circuitos virtuosos de intercâmbio comercial.  


Um outro ponto relevante é que tais dados abrigam, ainda, um ulterior ativo intangível de grande valor estratégico: a memória cultural que perpetua por meio das comunidades de descendentes formadas pela diáspora italiana instalada na América Latina desde o século XIX.  


Somente entre 1870 e 1920, estima-se que cerca de 1,4 milhão de italianos chegaram de navio às costas brasileiras, um número que corresponde a aproximadamente 42% do total de 3,3 milhões de ítalo-descendentes no mundo no referido período [2].  


Esses números falam por si sobre a importância dessa história e a influência dessa comunidade na sociedade brasileira. Trata-se de um tecido sociocultural vivo, que continua a reproduzir valores, práticas de trabalho, línguas e formas de sociabilidade que mantêm a Itália presente no imaginário e na vida cotidiana de milhões de pessoas na América Latina.  

Apesar disso, o governo italiano parece não valorizar plenamente esse ativo, subestimando que as comunidades da diáspora são um importante elo cultural, relacional e econômico da Itália com a região. Tanto é assim, que, nos últimos anos, por meio de decretos, leis e portarias (como o “decreto da vergonha”, Decreto-Lei 36/2025, convertido na Lei 74/2025), a política italiana vem minando e restringindo insistentemente um dos maiores laços dessa herança cultural, a cidadania italiana iuris sanguinis. 


O “direito de sangue”, que é um princípio do ordenamento jurídico italiano que determina que a nacionalidade italiana possa ser transmitida pela ascendência, sem limite geracional, independentemente do local de nascimento, passou a ser, para tal comunidade, um símbolo de desrespeito aos seus antepassados.  


Com uma política marcada por contradições, o governo italiano, por um lado, busca promover a coesão cultural transnacional e estimular “parcerias de crescimento mútuo”, fortalecendo na América Latina novos laços econômicos de cooperação [3]. De outro, impõe regras que restringem direitos dos descendentes daqueles “milhões de italianos que, movidos por esperanças, coragem e engenho”, atravessaram o oceano desde a primeira metade do século XIX em busca de uma vida melhor além-mar [4]. 


Reconhecer as comunidades ítalo-latino-americanas como sujeitos ativos da política cultural externa, transformando a memória da migração em um patrimônio vivo de cooperação e pertencimento transnacional é o primeiro passo para criar uma verdadeira diplomacia cultural. Pois, valorizar o papel da Itália na América Latina e no Caribe, não é apenas uma questão de comércio ou energia, mas, acima de tudo, uma questão de reconhecimento de pertencimento identitário e respeito recíproco. 

 

Notas: 

          


[2] CORTESE, A. Imigração italiano no Brasil, 150 anos. Livro disponível em: https://ambbrasilia.esteri.it/wp-content/uploads/2025/03/150-anos-Imigracao-Italiana_compressed-2.pdf. 



 

 

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