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A banalização da proteção dos bens culturais




Foto extraída do portal G1 Amazonas e Acritica.com que veicularam a notícia sobre a declaração do Jaraqui e do X-Caboquinho como patrimônio imaterial


A relevância do patrimônio cultural para a memória e a identidade do povo brasileiro fez com que a Constituição atribuísse a todos os entes da federação (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), assim como a todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), e claro, às Funções Essenciais à Justiça, a legitimidade para promover a sua proteção, pois todas estas vertentes do agir estatal inserem-se na expressão poder público.


A intenção do Legislador Constituinte de conferir maior proteção ao patrimônio cultural com a utilização da expressão poder público para indicar a figura estatal responsável por tal múnus está sendo desvirtuada especialmente pelo Poder Legislativo que se vale da sua função de editar leis gerais e abstratas para declarar manifestações culturais como patrimônio cultural.


Esse açodamento legislativo desvirtua não só as competências constitucionais atribuídas a cada um dos Poderes, mas também banaliza a proteção do patrimônio cultural. Esse modo de agir do Legislativo esvazia a atuação do Executivo, a quem cabe, com a participação da comunidade, selecionar os bens culturais que serão protegidos com base em pesquisas e estudos que apontem o valor cultural desses bens, e, principalmente, que contenham minimamente um plano de salvaguarda, ou seja, a forma como será realizada a proteção e a promoção dos bens elevados à condição de patrimônio cultural.


A decisão legislativa de declarar um bem como patrimônio cultural não é tomada com substrato em estudos técnico-científicos e nem com a participação da comunidade como preconiza a Constituição. Logo, essas normas não contemplam os elementos necessários para assegurar a efetividade da preservação do valor de memória e da continuidade histórica dos bens agraciados pelo Legislador com referida honraria.


Este fenômeno de banalização da proteção do patrimônio cultural se repete quase sem exceções em todos os Estados da federação e também nos municípios. No Estado do Amazonas, por exemplo, há o tombamento das edificações de projetos do arquiteto Severiano Mário Porto que reconhece o interesse arquitetônico, histórico e cultural destas construções. E como patrimônio imaterial tem-se a declaração do concurso Miss Amazonas, da Banda Blue Birds, do jaraqui - peixe tradicional da culinária amazonense e do X-Caboquinho – sanduíche popular na cidade de Manaus.


A lista de bens declarados por lei como patrimônio cultural cresce a cada ano. E o que se observa é a banalização do patrimônio cultural e dos seus instrumentos de proteção. Não é suficiente declarar por lei o valor cultural de uma bem. A proteção e promoção precisam ser construídas pelo agir conjunto do poder publico e da comunidade, pelo entrelaçamento dos conhecimentos científico e popular num movimento que privilegie o protagonismo da comunidade e promova a democracia participativa.


Leis desta natureza mostram-se inócuas para efetivar a proteção do patrimônio cultural e podem ser comparadas à tentativa do prefeito de Biritiba Mirim, que foi notícia em todo o país em 2005, quando “decretou” que era proibido morrer na cidade. A proteção do patrimônio cultural, contudo, demanda medidas concretas que não possuem espaço para serem definidas pelo Legislador, pois é necessária uma expertise própria do Executivo e da estrutura administrativa do Estado.


Assim, é necessário que o Legislativo observe os limites constitucionais das suas atribuições e das funções para as quais está vocacionado, evitando a banalização da proteção do patrimônio cultural e a sua ausência de efetividade. Já o Executivo precisa sair da apatia e da morbidez para fazer valer sua competência constitucional, concretizando as leis gerais e abstratas elaboradas pelo Legislador para a proteção do patrimônio cultural.


De Manaus (AM) para Fortaleza (CE)

Allan Carlos Moreira Magalhães

Doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais

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