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Tributação e regulamentação de empresas de Video On Demand 

Atualizado: há 9 horas

André Brayner é mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), com atuação científico-jurídica preponderante nos campos relacionados ao Direito Internacional, direitos culturais e terceiro setor, professor de Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) 

 


O Brasil ainda não possui uma legislação específica que regulamente os serviços de vídeo sob demanda (VoD), como Netflix, Amazon Prime Video e YouTube. O VoD ou vídeo sob demanda, refere-se a serviços que permitem ao usuário assistir ao conteúdo escolhido, na hora que quiser, sem grade fixa. Este artigo tem como objetivo tecer algumas considerações sobre a regulamentação deste serviço, especialmente, sob o aspecto tributário desta questão. 

 

Atualmente, há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de estabelecer um marco legal para esse setor, assegurando regras claras para a operação dessas plataformas no país. Entre as propostas mais relevantes estão o Projeto de Lei nº 2.331/2022, já aprovado pelo Senado e em análise na Câmara dos Deputados, e o PL nº 8.889/2017, que tramita em regime de urgência.   

 

O PL 2.331/2022 propõe, entre outros pontos, a criação da Condecine VoD, uma contribuição com alíquotas progressivas de até 3% sobre a receita bruta das plataformas, além da exigência de credenciamento na Ancine.  O projeto também prevê cotas mínimas de conteúdo nacional nos catálogos e a possibilidade de aplicação de multas de até R$ 50 milhões em caso de descumprimento. Já o PL 8.889/2017 estabelece alíquotas da Condecine variando de 1% a 6%, cotas de conteúdo nacional entre 2% e 20% do total de horas dos catálogos e a obrigação de garantir destaque e visibilidade às produções brasileiras nas plataformas. 

 

O PL 2.331/2022, aprovado pelo Senado em maio de 2024 e atualmente em análise na Câmara dos Deputados, propõe incluir os serviços de VoD como fato gerador da Condecine, alterando a Medida Provisória nº 2.228-1/2001 e a Lei nº 12.485/2011 (Apesar de sua recente tramitação, o texto não incorpora as mudanças estruturais do sistema tributário decorrentes da Reforma Tributária).  O PL 8.889/2017, por sua vez, embora tenha recebido emendas importantes, como a que busca garantir igualdade de condições e paridade fiscal entre os agentes do segmento audiovisual, não faz qualquer menção explícita à adaptação às novas regras tributárias.   

A ausência de adequação desses projetos à nova realidade tributária pode resultar em sobreposições ou conflitos com o novo sistema de tributação sobre o consumo. Porquanto, para evitar insegurança jurídica e garantir a efetividade das normas, é necessário revisar e harmonizar as propostas com as diretrizes estabelecidas pela Reforma Tributária. 

 

O avanço dos serviços de vídeo sob demanda (VoD) transformou radicalmente o consumo de conteúdo audiovisual no Brasil. Com base digital, alcance global e uma base de assinantes em constante crescimento, essas plataformas têm movimentado bilhões de reais sem, no entanto, contribuírem proporcionalmente com a arrecadação tributária brasileira.   

 

Apesar da clara semelhança com serviços de comunicação, por muito tempo o VoD ficou fora do alcance do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), previsto no art. 155, II, da Constituição Federal de 1988. Esse vácuo normativo começou a ser corrigido com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5958, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2022, que autorizou a cobrança de ICMS sobre o VoD não interativo. 

 

Ainda assim, o cenário tributário permanece frágil. O setor também escapa, em parte, da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), instituída pela Lei nº 11.437/2006, que deveria financiar o audiovisual brasileiro por meio do Fundo Setorial do Audiovisual. Embora a Lei nº 12.485/2011, que regula o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), tenha criado obrigações para empresas de TV por assinatura, o VoD permanece parcialmente desregulado, sendo considerado um serviço distinto — o que permite às grandes plataformas digitais estrangeiras operarem sem contribuição significativa à cultura nacional. 

 

Essa omissão contrasta com a realidade de países como a França, onde a legislação exige que plataformas de VoD destinem 20% da receita local para a produção audiovisual nacional ou europeia, conforme diretrizes da União Europeia. Na Alemanha, o VAT (imposto sobre valor agregado) é aplicado sobre esses serviços, que ainda são obrigados a investir diretamente em obras alemãs. Tais políticas refletem o compromisso desses países com a proteção da cultura e a soberania digital frente ao domínio das grandes big techs. O Canadá, outro caso emblemático, atualizou sua Broadcasting Act, incluindo o VoD nas obrigações tributárias e regulatórias, exigindo que Netflix e Disney+ invistam diretamente na produção canadense, além de pagar tributos digitais.    

Essas ações se alinham aos princípios da Convenção da Unesco sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 6.177/2007, o que demonstra que não se trata apenas de arrecadação, mas de um dever de preservação cultural e de uma garantia de efetivação dos direitos culturais.  Enquanto isso, no Brasil, setores conservadores do Congresso Nacional têm resistido à modernização da legislação tributária digital.   

 

A justificativa de que novas tributações poderiam “afastar investimentos” revela-se infundada diante dos exemplos internacionais. O que se observa, na verdade, é a perpetuação de um modelo que beneficia multinacionais e fragiliza a cultura nacional. Ao manter a baixa tributação do VoD, esses grupos acabam desidratando o financiamento público do audiovisual brasileiro e aprofundando a dependência do conteúdo estrangeiro. 

 

Apesar dessas resistências, é imperativo reconhecer o papel ativo do Ministério da Cultura (MinC) na tentativa de corrigir essa distorção. A pasta tem defendido a criação de um marco regulatório para o VoD, propondo uma tributação justa e proporcional. A ministra Margareth Menezes tem atuado pessoalmente em diálogo com o setor e com as esferas legislativas, buscando alternativas que garantam o desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira sem comprometer a inovação ou o acesso à tecnologia. 

 

O Ministério também tem promovido ações de internacionalização da produção brasileira, mostrando que o fortalecimento da cultura nacional não se opõe ao mercado, mas o potencializa. Em vez de ver as plataformas como inimigas, o governo busca integrá-las de forma justa ao ecossistema cultural, exigindo delas o mesmo comprometimento exigido de empresas brasileiras. Isso é fundamental para garantir equidade tributária, diversidade de vozes e sustentabilidade do setor audiovisual. 

 

Diante desse cenário, é urgente a criação de um marco legal específico para os serviços digitais e a regulamentação clara da tributação do VoD. O Brasil deve aprender com os modelos internacionais, e adaptar as soluções à sua realidade cultural e econômica. A baixa tributação atual é insustentável, não apenas do ponto de vista fiscal, mas sobretudo como uma ameaça à soberania cultural. O audiovisual brasileiro precisa de financiamento estável, e isso só será possível com um sistema tributário moderno, justo e comprometido com o interesse público.  A regulamentação dos serviços VoD visa corrigir o desequilíbrio entre plataformas estrangeiras e a indústria audiovisual nacional, além de fomentar a produção cultural brasileira. As medidas propostas também pretendem aumentar a transparência sobre as receitas e operações dessas empresas, assegurando que dados como número de assinantes e volume de conteúdo sejam informados à Ancine. O fortalecimento da arrecadação pública é instrumento essencial para reinvestimento no setor audiovisual brasileiro e proteção dos direitos autorais. 

 

Referências bibliográficas: 


• Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 


• Brasil. Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006. 


• Brasil. Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011. 


• Brasil. Decreto nº 6.177, de 1º de agosto de 2007. 


• STF – Supremo Tribunal Federal. ADI 5958. Julgamento de 2022. 


• UNESCO. Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. 2005. 


• Conseil Supérieur de l’Audiovisuel (França). Diretivas para VoD, 2023. 


• Government of Canada. Online Streaming Act, 2021. 


• European Audiovisual Observatory. Report: “VoD and National Content Investment in Europe”, 2023. 

 

 

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