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O direito ao lazer e os direitos culturais sob uma perspectiva multidisciplinar





O lazer é um conjunto de ocupações em que o indivíduo se envolve de livre vontade, para repousar, para se divertir, recrear, entreter-se ou para desenvolver a sua formação desinteressada, assim como exercer a sua participação social voluntária ou manifestar sua livre capacidade criadora longe do ambiente laboral e de suas obrigações (1). Não há uma consonância para a definição de lazer, mas é possível dizer que está em oposição ao trabalho, cuja origem está no termo latino tripaliare, um instrumento de tortura composto por três paus que remete a ideia inicial de sofrimento, de sofrer.


O Direito ao Lazer (2), no ordenamento jurídico brasileiro, está esparso e encontra escopo no texto constitucional e na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Na Constituição Brasileira de 1988 (3) é possível observar o termo lazer no artigo 6º que trata dos Direitos Sociais, devendo assim, estar ao acesso de todos indistintamente, pois é indispensável para assegurar a dignidade da pessoa humana. É preciso destacar ainda, no texto constitucional, o artigo 7º, que trata dos direitos dos trabalhadores, no qual está assegurado, entre outros direitos, o descanso, as férias, a aposentadoria e, também, o lazer.


O Direito ao Lazer é uma matéria intrinsecamente ligada ao Direito do Trabalho, pois com o processo de urbanização, industrialização e a comunicação de massa, elementos herdados da Revolução Industrial, a discussão sobre o lazer e o seu acesso ganham destaque, pois é essencial para a vida humana.


Os Direitos Culturais, assim como o Direito ao Lazer, também têm fulcro na dignidade da pessoa humana e são garantidos pela Constituição explicitamente no artigo 215. Os Direitos Culturais (4) são aqueles afetos às artes, memórias coletivas e fluxo dos saberes. Esses três grandes grupos representam a fruição de diversas formas de manifestação da cultura, plasmada em equipamentos culturais ou em bens patrimoniais materiais ou imateriais.

Ao fazer a leitura do texto constitucional, é possível inferir alguns princípios, tais como o princípio do pluralismo cultural e o princípio da universalidade, ambos garantem o pleno acesso aos bens culturais que têm gênese nos diversos povos que compõem o povo brasileiro. É preciso destacar ainda, o princípio da participação popular que garante a participação da comunidade na salvaguarda dos bens culturais e nas políticas encetadas para o setor.


Os entes brasileiros têm responsabilidade na promoção da cultura, garantindo o acesso a todos indistintamente. Muitos desses bens estão dispostos em equipamentos culturais que difundem as variadas expressões, tais como Bibliotecas, Centros Culturais, Teatros, Museus, Cinemas e Parques. O estabelecimento desses bens culturais, por meio das políticas intersetoriais, favorece uma valorização dos contextos socioculturais de forma ampla, indo ao encontro das perspectivas de áreas como a Educação Física.


Nesse contexto, a Educação Física e outras áreas, como a História ou mesmo o Direito, podem figurar nesses equipamentos para intervir e reforçar a ideia de construção coletiva do prazer e alegria nos momentos e ambientes de lazer, com base nas possibilidades sociais e culturais de determinado grupo/região, de forma a propiciar uma melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e favorecer humanização desses seres diante de uma participação cidadã consciente e integrada.


É preciso destacar a necessidade de inventariar equipamentos culturais em uma cidade para a construção de uma política cultural mais democrática que possa distribuir esses bens com equidade, atingindo não apenas as camadas abastadas da sociedade, mas também aquelas mais distantes dos centros urbanos.


É possível afirmar que a cultura, em suas várias formas de expressão, é um meio para o lazer e há uma relação de reciprocidade entre os campos. Os equipamentos culturais presentes em uma cidade podem ser considerados como possibilidades de lazer para seus moradores, pois é uma via onde circulam as artes, as memórias e os saberes. Sendo assim, certamente, também podem ser entendidos como equipamentos de lazer (5). Desta forma, pensar em políticas intersetoriais, com agentes de diversas áreas, proporciona um olhar multidisciplinar, garantindo acesso ao lazer e aos bens culturais, assegurando uma formação humana digna e ampla.


A Educação Física, como uma área de construção e produção de conhecimentos, colabora dentro do contexto da democratização das práticas de lazer, no intuito de favorecer a criação de políticas públicas relacionadas ao lazer e cultura coerentes com as necessidades sociais. Logo, a relação estabelecida entre os sujeitos e o acesso aos bens culturais, sob o olhar da Educação Física, deixaria de ser apenas uma relação passiva, para pensar no acesso ao lazer como relacionado a uma participação ativa dos sujeitos (6).


A sociedade do “ter” propaga o estilo de vida que caminha no curto círculo do: ambicionar coisas – obter finanças – gastar mais. Acredita-se que isto se dá pela competição social de status elevado, buscando na exterioridade a satisfação de uma necessidade imposta pela materialidade (7). Restringir os passos da vida nesta maratona nociva desprepara o ser humano para lidar com o tempo: ele (só) vale dinheiro.


O tempo livre, neste contexto social, aflora no homem a culpa por obtê-lo, entretanto, para Gaelzer “o tempo livre é oportunidade, oportunidade é liberdade, liberdade permite eleição, escolha. O valor do tempo livre vai depender do uso que lhe for atribuído” (8). Assim, carece no homem da sociedade de consumo a consciência diante do seu tempo e de opinar sobre ele, desconhecendo maneiras sadias de saciar suas necessidades de crescimento interior, amadurecimento, sabedoria e felicidade.


José Olímpio Ferreira Neto - Mestre em Ensino e Formação Docente. Advogado. Professor de Educação Física. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: jolimpiofneto@gmail.com


José Davi Leite Castro - Professor de Educação Física. E-mail: josedlcastro11@gmail.com


Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida - Doutor. Professor do Curso de Educação Física do IEFES/UFC. Coordenador do Programa de Extensão: Centro de Estudos sobre Ludicidade e Lazer - CELULA do IEFES/UFC. E-mail: mtpa@ufc.br


1 - DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973.


2 - PEREIRA, Marcela Andresa Semeghini. Direito ao Lazer na Legislação Vigente no Brasil. Revista Eletrônica do Curso de Direito UFMS. V. 4, n. 2, 2009.


3 - BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 jun. 2021.


4 - CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2018.


5 - SANTOS, Flávia da Cruz. O Direito ao Lazer: Políticas Culturais. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Florianópolis, v. 35, n. 4, p. 1093-1098, out./dez. 2013.


6 - CHELUCHINHAK, Aline Barato. O consumo das práticas do lazer e de bens culturais por quem produz conhecimento científico tecnológico junto ao Lactec. 2010. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Educação Física) – Departamento de Educação Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.


7 - ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. Brincar e o Espaço Público de Lazer. In: X Seminário Ócio e Contemporaneidade, 2016, Fortaleza. Anais do Seminário Ócio e Contemporaneidade 2016. Fortaleza, CE: OTIUM, 2016a. v. VII. p. 1-22


8 - ALMEIDA, Marcos Teodorico Pinheiro de. (et al). O brincar na terceira idade: uma opção de vida e lazer. In: X Seminário Ócio e Contemporaneidade, 2016, Fortaleza. Anais do Seminário Ócio e Contemporaneidade 2016. Fortaleza, CE: OTIUM, 2016b. v. VII. p. 1-18.

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