"No Corcovado, quem abre os braços sou eu"
(Paralelas, Belchior)
No próximo dia 12 de outubro, o mais famoso cartão-postal do Brasil completa 90 anos. Estamos nos referindo à estátua do Cristo Redentor, localizada no cume do Corcovado, na cidade do Rio de Janeiro. É muito comum a identificação de um lugar com a história do país. Assim, podemos apontar alguns monumentos que se tornaram emblemáticos e ficam indelevelmente associados a um determinado país: a Torre Eiffel, na França; o Coliseu, na Itália, a Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos e, no caso brasileiro, o Monumento ao Cristo Redentor.
Apesar de bastante conhecido de todos os brasileiros e amplamente divulgado e reproduzido em imagens e souvenires dos mais variados, poucos sabem da longa trajetória que levou à construção desse Monumento. E mais: por que um monumento de caráter religioso, ligado à tradição católica, se tornou um verdadeiro ícone do país?
A ideia de construção desse Monumento remonta ao período imperial de nossa história. Segundo a tradição, atribui-se ao padre francês Pierre-Marie Bos, que era capelão do Colégio Imaculada Conceição em Botafogo, a ideia de se erigir uma imagem de Cristo no Corcovado. No entanto, novas pesquisas mostram que a história não é bem essa. Os historiadores Bruno Antunes e Maria de Fátima Argon, na sua obra “Alegrias e Tristezas: estudos sobre a autobiografia de D. Isabel do Brasil” (Linotipo Digital, 2019), mostram com base em documentos históricos que a estátua ao Cristo Redentor é “um monumento eminentemente abolicionista e isabelista”. Vamos aos fatos!
Logo após a assinatura da famosa Lei Áurea, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em sessão do dia 15 de maio de 1888, propôs, por meio de subscrição popular, que se construísse uma estátua em bronze de D. Isabel como “Redentora”. Isabel recebera a alcunha de “A Redentora” do jornalista e abolicionista José do Patrocínio e o monumento seria uma homenagem a ela. Isabel prontamente recusou a ideia e, como católica praticante, dissera que ao invés de um Monumento à Redentora deveria ser construído uma estátua a Jesus Cristo, o verdadeiro Redentor.
O golpe militar que implantou a República e baniu D. Pedro II e sua família adiou a concretização dessa ideia. Somente em 1908, um grupo de senhoras católicas, lideradas por Euphrasia Marques Lisboa, filha do Almirante Tamandaré, criou, de forma sigilosa, a “Comissão Executiva Isabel a Redentora”, com o objetivo de se fazer valer a ideia original de construção, no Corcovado, de uma imagem do Cristo Redentor e uma menor, a seus pés, da princesa Isabel. A República recém-instalada não via com bons olhos qualquer tipo de homenagem a membros da família imperial e, considerando-se que o estado brasileiro era agora laico, a imagem de Cristo no Corcovado também não agradava aos ateus e aos republicanos positivistas.
O assunto veio à baila novamente por ocasião dos festejos relativos às comemorações do centenário de nossa independência (1922). No dia 12 de setembro daquele ano, como de praxe em se tratando da construção de monumentos, foi lançada a pedra fundamental e fincado o mastro da Estátua do Cristo Redentor no Morro do Corcovado.
No entanto, o monumento levou quase uma década para ser construído e somente foi inaugurado em 1931. Mesmo assim, aproveitando o ensejo da mobilização da sociedade e do governo em torno dessa efeméride, lançou-se, em 1923, um concurso para a escolha do projeto a ser executado no Corcovado. Concorreram três projetos apresentados pelos senhores José Agostinho dos Reis, Adolfo Morales de Los Rios e Heitor da Silva Costa.
O projeto vencedor, de autoria do engenheiro Heitor da Silva Costa, trazia a imagem de Cristo empunhando em suas mãos um globo terrestre e uma cruz. O projeto recebeu algumas críticas acirradas na imprensa e por intervenção do Cardeal Dom Sebastião Leme optou-se por representar o Cristo de braços abertos, em estilo art-déco, bastante em voga na época. Em 1924, Heitor da Silva Costa escolheu o escultor francês Paul Landowski para iniciar os trabalhos. As obras de instalação do monumento tiveram início em 1926 e delas participaram, além de Heitor Costa, o arquiteto Heitor Levy e o engenheiro Pedro Vianna da Silva.
Em 12 de outubro de 1931, dia consagrado à Padroeira do Brasil, foi finalmente inaugurado o Monumento ao Cristo Redentor, graças, em grande parte, à mobilização dos católicos em todo o país, que não deixaram de envidar esforços e angariar dinheiro para a construção da estátua. O Cristo Redentor possui, incluindo seu pedestal octogonal, 38 metros de altura, pesa 1.145 toneladas e é revestido de pedra-sabão.
O monumento foi paulatinamente sendo integrado à paisagem da cidade até se transformar em ponto turístico de maior visitação e um cartão-postal de divulgação do país no exterior. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), várias reformas foram feitas desde sua inauguração com o objetivo de facilitar o acesso ao local, além de outras benfeitorias. Em 1936, foi inaugurada a estrada de rodagem Paineiras-Corcovado. Por ocasião das comemorações do IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro (1965), foram adotados novos sistemas de iluminação. O reconhecimento de sua importância histórica e arquitetônica veio em 30 de setembro de 2008 quando a estátua do Cristo Redentor foi tombada em nível federal, integrando-se ao patrimônio histórico e artístico nacional.
Sua consagração internacional se deu no ano de 2007 quando, em votação popular, por meio da internet, foi escolhido como uma das sete maravilhas do mundo moderno, ao lado da Grande Muralha da China, do templo Taj-Mahal na Índia, do Coliseu na Itália, de Machu Picchu no Peru, da cidade de Petra na Jordânia e da Pirâmide de Chichen-Itza no México.
Em 2012, a Unesco reconheceu o Rio de Janeiro como Patrimônio da Humanidade por sua paisagem cultural. Foi a primeira área urbana do mundo a receber esse título. Assim, o Corcovado, juntamente com o Pão de Açúcar, a Floresta da Tijuca, o Aterro do Flamengo, o Jardim Botânico, a praia de Copacabana, a entrada da Baía de Guanabara, bem como o Forte e o Morro do Leme, o Forte de Copacabana e o Arpoador, o Parque do Flamengo e a Enseada de Botafogo, integram essa paisagem cultural da Humanidade.
Tom Jobim, nosso genial maestro, tem toda a razão ao exaltar o nosso principal monumento e essa paisagem que ainda fazem do Rio uma “cidade maravilhosa”: "Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara. Este samba é só porque. Rio, eu gosto de você..."
Ricardo Oriá - Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Consultor Legislativo da área de educação, cultura e desporto da Câmara dos Deputados. É autor de artigos sobre patrimônio cultural e museus e do livro O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar brasileira (E. Annablume, 2011). E-mail: jricardo.oria@gmail.com
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