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Cinco anos do crime em Mariana: Acionem a sirene


Paracatu de Baixo, Mariana-MG (Acervo do autor, 2019)


No próximo dia cinco de novembro o rompimento da barragem de rejeitos de minério, em Mariana, Minas Gerais, completa cinco anos. As empresas Samarco, BHP Billiton e Vale são as responsáveis por um crime ambiental sem proporções, que derramou 40 milhões de metros cúbicos de resíduos pelo que estava à sua frente, arrasando comunidades, contaminando rios, interrompendo a vida de adultos e crianças. 


Distritos como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo foram varridos do mapa pela mineração, que atinge como um cancro o estado de Minas Gerais há vários séculos. Cerca de 40 municípios mineiros e capixabas foram diretamente afetados e mais de 600 quilômetros do Rio Doce e afluentes foram infectados pela massa de restolhos tóxicos. E muitos culpados ainda não foram devidamente responsabilizados.


Segundo o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado pelas empresas e pela União, o IBAMA, o Instituto Chico Mendes, a Agência Nacional de Águas, a Funai, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, entre outras organizações e instituições, estão dentre as áreas impactadas pelo crime: habitats e a fauna ao longo dos rios Gualaxo, Carmo e Doce; lagoas e nascentes adjacentes ao leito dos rios; estuários e manguezais na foz do Rio Doce; áreas de reprodução de peixes; etc. Além disso, houve impacto socioambiental no modo de vida de populações ribeirinhas, populações estuarinas, povos indígenas e outras populações tradicionais. 

Para Ailton Krenak, cuja etnia vive às margens do Rio Doce, um parente – o rio – está gravemente doente. "Eu pertenço a uma família que vive na margem esquerda daquele rio. A minha família, Krenak, vive na margem esquerda daquele rio que no mapa é o Rio Doce, mas que na nossa subjetividade ele é o nosso avô. E o nome dele é 'Watu'. Nós cantamos para o 'Watu', nós enfiamos nossas crianças dentro dele para vaciná-las. Conversamos com ele, sonhamos com ele. E ganhamos sonhos dele". Para Ailton, " em algum momento, para as mineradoras, era bom dizer que o rio morreu. 'Sinto muito, o rio morreu', eles choram e tal. Quando nós começamos a dizer: 'Oh Watu Mirare re', o 'Watu' está vivo, o 'Watu' está em coma e nós vamos ficar velando 'Watu' até ele voltar". Assim proferiu em palestra por ele ministrada em outubro de 2019 na Universidade Federal de Goiás.


Mas esse crime possui um precedente que tem sido omitido, nos últimos cinco anos, pela grande mídia: a privatização da Vale. Vendida a preço de banana pelo governo FHC, a empresa foi comprada em maio de 1997 pelo grupo Vicunha, o mesmo que, durante o governo Itamar Franco, havia adquirido a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).  Diga-se de passagem que a Vale foi privatizada com financiamento subsidiado, disponibilizado aos compradores pelo BNDES.


A justificativa mais exposta pelos gestores para a desestatização de empresas é a baixa qualidade na prestação de serviços. Escondem, dessa maneira, seus interesses escusos e o enriquecimento ilícito de alguns em detrimento da real proprietária dessas empresas: a população brasileira. Outro argumento é o de que as empresas estatais não dão lucro. Mas onde está escrito que empresa pública tem como objetivo primordial o lucro? Esse é o objetivo do capital privado. As empresas públicas têm como finalidade a prestação de um serviço necessário e eficiente à sociedade. A ineficiência que se costuma atribuir indiscriminadamente aos serviços públicos é, de forma generalizada, resultado da falta de investimento nas mesmas, muitas vezes com o escopo e dentro de um projeto voltado a desmantelá-las torná-las atrativas para a iniciativa privada.

A privatização, inclusive, não garante a melhoria dos serviços. Muitos países, primordialmente na Europa, têm reestatizado empresas para atingir uma melhoria em sua prestação. Nos últimos dez anos, Alemanha e França desfizeram 500 concessões e privatizações do gênero (1). Segundo a geógrafa Lavinia Steinfort (3) , coordenadora de projetos do TNI (Transnational Institute), a reestatização cresce porque as empresas privadas apresentam serviços inadequados e ineficientes. Para ela, "a priorização de lucros das empresas privadas é, na maior parte das vezes, conflitante com a execução de serviços de que a sociedade depende".


No caso da Vale, a busca pelo lucro é agente da diminuição dos investimentos em segurança, uma das causas não só do crime ocorrido em Mariana, mas também em Brumadinho e dos demais que estão por vir. Se a Vale privatizada é um filho feio, ela tem pai: Fernando Henrique Cardoso.


Yussef D. S. Campos

Professor da Faculdade de História e dos Programas de Pós-Graduação em História e

Professor de História, da UFG. Autor de "Palanque e Patíbulo: o patrimônio cultural na Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988)". 2ª ed. Goiânia: Palavrear, 2019.



(2) Idem

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