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A privacidade da imagem em cultos religiosos


Fotografia de Daniel Rebello


A nossa Constituição é do ano de 1988. É o resultado legislativo de um contexto social daquela época e, em que pese ser avançada em diversos enfoques, não poderia prever questões dos tempos atuais como, por exemplo, os smartphones, as suas mirabolantes câmeras fotográficas digitais e a fluidez de informação nas redes sociais.

Além das previsões contidas nos direitos fundamentais do artigo quinto, o capítulo que trata da Comunicação Social na Constituição Federal, por exemplo, no artigo 220, prevê que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

O capítulo se refere à liberdade de informação jornalística, que é requisito essencial para uma sociedade democrática livre. Quanto mais informado for o indivíduo, mais ferramentas terá para exercício de seu livre arbítrio. Por este motivo, a censura é indesejada no contexto social por provocar distorções na informação da realidade e suprimir das pessoas a capacidade de escolha informada.

Na toada da Carta Magna, não só os meios de comunicação formais, a exemplo dos jornais impressos e televisivos, contam com liberdade de livre comunicação. Este direito é conferido também aos canais jornalísticos eletrônicos, em sites, e também nos aplicativos de redes sociais, que comunicam em plataformas diversas como Instagram, Facebook, dentre outros.

Coloca-se então a seguinte questão: se a informação jornalística, elemento essencial para a sociedade democrática, pode ser transmitida por meios informais de comunicação, qualquer pessoa pode ser veículo de comunicação?

Recordemos que em julgado realizado em 17 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao Recurso Extraordinário - RE 511961, de autoria do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo, deixando de exigir diploma de curso superior de Jornalismo para exercício do ofício pelos profissionais jornalistas.

Então, qualquer pessoa, de posse de um celular equipado, pode produzir conteúdo informativo e publicar em redes sociais? Pode produzir imagem de pessoas indiscriminadamente, em qualquer contexto? E o direito de imagem?

O direito de imagem também está prescrito no artigo quinto da Constituição Federal. Logo, é também um direito fundamental. Sua previsão é a seguinte: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A violação dos direitos de imagem de uma pessoa enseja inclusive a indenização. Veja-se o artigo 20 do Código Civil Brasileiro:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a ser requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a responsabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Note-se, há o direito de livre comunicação, mas há também o direito de restrição da utilização da imagem das pessoas se o fim dado for ofensivo à honra ou se destinar ao uso comercial.

Agora vamos apimentar a conversa com um assunto muito presente nos dias atuais. Ao lado destes direitos de comunicação e de imagem há ainda a liberdade de culto. Também no rol dos direitos fundamentais, o inciso VI do artigo quinto da Constituição traz: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.”.

Entre livre informação, direito de imagem e liberdade de culto, é possível captar imagens indiscriminadamente de pessoas que participam de cultos, missas, sessões espíritas ou giras de religiões afro-ameríndias?

Liberdade de culto, liberdade de informação e direito de imagem são direitos da mesma magnitude, e a sua confrontação exige, muito mais do que técnica, bom senso. Vemos crescente o uso de filmagens amadoras de cultos religiosos sendo usadas em redes sociais para ridicularização de ritos e pessoas. E mais, em projetos de difamação sistemática de grupos religiosos.

Por este motivo entendemos que a interpretação conjunta dos dispositivos legais mencionados permite aos dirigentes de espaços de culto, e especialmente de terreiros, a proibição da captação de imagens fotográficas ou de filmagens durante os ritos. Diferentemente de uma assembleia que assiste a um celebrante, os cultos afro-ameríndios contam com a participação de todos os envolvidos ativamente nos ritos. Em outras palavras, todos são celebrantes.

As pessoas que acorrem aos espaços de culto estão desempenhando uma atividade íntima, de exercício de fé. Merecem, neste contexto, ter certeza de que este momento seja respeitado, acima de tudo. Não furtamos assim o direito de informação da sociedade acerca do que acontece em igrejas, templos e terreiros, mas propomos que a produção de conteúdo amador audiovisual por parte de pessoas que não são fotógrafos profissionais ou jornalistas seja coibido pelos dirigentes dos centros religiosos. Esta prática poderá preservar a imagem dos presentes nos cultos, adultos e crianças, lhes assegurando a tranquilidade para professar sua fé e garantir que todos os envolvidos estejam à vontade.

O dirigente ou a dirigente do espaço religioso poderá, e deverá, autorizar que pessoas previamente identificadas façam a captação de imagens para fins jornalísticos ou artísticos. E cientificará aos presentes os propósitos da filmagem para que possam não figurar nas imagens captadas. E jamais poderá interferir na opinião do profissional, jornalista ou fotógrafo, na observância da Constituição, pois a liberdade de culto, a liberdade de livre informação e o direito de culto podem sim andar de mãos dadas. Basta bom senso e respeito!

Carolina de Castro Wanderley, advogada, editora literária, doutoranda em Letras Estrangeiras Neolatinas pela UFRJ, pesquisadora na área de Direito e Literatura, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: carolina@ssebastiao.com.br

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acessada em 10.10.2023 em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

BRASIL. Lei 10.406/2002, institui o Código Civil. Acessada em 10.10.2023 em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

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