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A arte educação como instrumento de efetivação dos Direitos Culturais


Obra coletiva dos alunos da Escola Projeto 21, em Curitba-PR, do ano de 2015. (Foto da autora)

Recentemente, muita polêmica teve origem na análise dos currículos escolares por parte de pais da ala conservadora da sociedade. Muitos conteúdos foram questionados e por vezes professores foram até interpelados enquanto ensinavam. Questões relacionadas à História, à Geografia e às Artes foram levantadas com notável violência.


Contudo, o que nem todo mundo sabe, é que o conteúdo educacional das escolas, públicas ou privadas é determinado por lei. Além de ser direito constitucional, a educação é objeto de lei específica.


O sistema educacional que hoje é aplicado em nossas escolas é decorrente de um esforço legislativo de meados da década de noventa no século passado. Trata-se da Lei nº 9.394.1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que dividiu o ensino em níveis de Educação Básica e Educação Superior.


A Educação Básica abrange a Educação Infantil (creche e pré-escola), Ensino Fundamental (primeiro ao nono ano, correspondentes, respectivamente, ao antigo primário e ginásio, ou primeiro grau), Ensino Médio (antigo científico, ou segundo grau).


O primeiro artigo da lei já traz que a educação não acontece somente nos bancos escolares, mas em todos os ambientes de convivência do estudante. No artigo segundo, especificamente, há a previsão de que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, de onde concluímos que, dentre outros objetivos, o estudo prepara para a exercício da cidadania.


O artigo 26 desta lei fala das disciplinas obrigatórias nos currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio: Língua Portuguesa, Matemática, Mundo Físico e Natural, Realidade Social e Política, Arte, Educação Física, Língua Inglesa a partir do sexto ano do Ensino Fundamental.

Ao tratar do ensino das artes, a lei mencionada trazia em seu artigo 26, parágrafo segundo: “o ensino da arte constituirá componente obrigatório, nos diversos níveis da Educação Básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.

Alterações aconteceram no texto oficial com o passar dos anos e, em 2010, o mesmo parágrafo segundo do artigo 26 passou a trazer: “o ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da Educação Básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.

Esta nova redação foi dada pela Lei nº 12.287/2010. Além da alteração que incluiu as expressões regionais no rol das obrigatoriedades curriculares, posteriormente a Lei nº 13.278/2016 determinou no parágrafo sexto do mesmo artigo: “as artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o §2º deste artigo”.

Desta breve análise da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional atualmente vigente, concluímos que o ensino das artes, aí compreendidas as artes visuais, a dança, a música e o teatro, é componente curricular obrigatório na Educação Básica e pretende desenvolver culturalmente o aluno.

Mas afinal, desenvolver culturalmente para quê? Esta pergunta é um revérbero da questão formulada pelo Professor Humberto Cunha Filho, quando ele questiona, a respeito dos direitos culturais: “em que isso é socialmente útil?”. A Constituição Federal já prevê que a garantia do exercício dos direitos culturais é uma obrigação do Estado.

O Estado, através do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, deverá cuidar para que o patrimônio cultural brasileiro seja preservado, que a cultura possa circular a todos os cantos do País, que a gestão cultural seja profissionalizada, que todos tenham acesso aos bens culturais e que as diferenças culturais étnicas e regionais sejam respeitadas.


E é no próprio Professor Humberto Cunha Filho que encontramos a resposta: os direitos culturais dotam os indivíduos da capacidade de fruir, discutir e modificar a sociedade, não só no que atine à cultura e ao patrimônio, mas a todos os campos sociais. Em outras palavras, a cultura é o aglutinante social, o que nos faz sentir parte de um todo plural, e nos convoca a participar deste todo de modo singular e digno.


A cultura, assim posto, nos faculta duas operações: (i) perceber a pluralidade social e, por via de consequência, respeitar as diferenças e (ii) exercer a cidadania de modo efetivo.


Agora, lembremo-nos do que dizia o início da Lei de Diretrizes e Bases da Educação citada acima: que a educação objetiva o desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício cidadão e para o mundo do trabalho. E esta lei coloca as artes no currículo obrigatório da Educação Básica.


Defendemos que a Arte Educação, enquanto ensino de artes visuais, de dança, de música e de teatro na Educação Básica, prepara o indivíduo para a fruição da cultura e da memória nacional.


A sensibilização para a reflexão sobre as pluralidades das pessoas e da sociedade, sobre as diversas formas válidas de ver a mesma realidade e o acolhimento da diferença é fomentado pelas disciplinas artísticas.


Um indivíduo sensibilizado para as diferenças exercita melhor a cidadania, convive melhor em sociedade e promove a fraternidade, ou seja, não sai por aí combatendo exposição de arte e pauta de discussão acadêmica. Entende contextos diferentes do seu e, em última análise, contribui para a harmonia social.


Longe de proselitismos, o ensino das artes pode ampliar a visão sobre outras visões e, assim, é ferramenta de efetivação dos Direitos Culturais.


Carolina de Castro Wanderley, advogada, editora literária, doutoranda em Letras Estrangeiras Neolatinas pela UFRJ, pesquisadora na área de Direito e Literatura, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: carolina@ssebastiao.com.br.

Referências:

BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Arte-educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1978.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acessada em 10.08.2023 em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

BRASIL. Lei 9394/1996, Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Acessada em 10.08.2023 em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos direitos culturais: fundamentos e finalidades. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.

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