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Universidade Federal do Ceará x Conservatório de Música: Um caso de direitos culturais


Conservatório de Música Alberto Nepomuceno (Imagem: Divulgação)


Nas últimas semanas, uma decisão judicial proferida pela Justiça Federal do Estado do Ceará [1] chamou atenção. O caso em questão é o litígio entre a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, instituição dedicada ao ensino da música em Fortaleza.


O cerne da questão judicial é, em suma, a posse em relação ao imóvel no qual o Conservatório funcionou durante anos e aos bens que estão situados no referido local. A Universidade, após ganhar judicialmente a reintegração do imóvel, agora luta pela posse dos bens móveis que estão no local, tais como partituras, instrumentos musicais, dentre outros.


Não pretende-se aqui tecer comentários acerca da questão jurídica da posse ou propriedade em relação aos referidos bens, móveis e imóvel. Para isso há o Poder Judiciário, que já enfrenta a questão.


Destaca-se, no entanto, o teor da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal, em recurso interposto pela UFC em relação à negativa do juiz de Primeira Instância em conceder à Universidade o seu pleito, que era de impedir que o Conservatório se utilizasse dos bens móveis (pianos, partituras, entre outros) para continuar exercendo o seu trabalho, que é ensinar música.


Para tanto, o magistrado, além de avaliar tecnicamente o caso sob o ponto de vista do direito processual civil, administrativo e em relação às questões de posse e propriedade, aprofundou a análise para o aspecto dos direitos culturais que estavam ali presentes, e que não haviam sido considerados até então.


Segundo a decisão, o caso não se tratava apenas sobre posse e a propriedade, mas sobre patrimônio cultural, sobre bens culturais de uma instituição que cumpre um papel fundamental na história da cidade de Fortaleza e cuja atuação é plenamente reconhecida socialmente como relevante do ponto de vista artístico e cultural.


Diante da sensibilidade jurídica do caso, as regras de Direito Civil, segundo o magistrado, seriam insuficientes, demandando também um sopesamento dos direitos artísticos e culturais, direitos de propriedade intelectual e direitos históricos envolvidos, todos de base constitucional e direitos humanos universais.


De fato, não é possível tratar a continuidade ou não de uma instituição cultural, bem como o destino dos bens que integram o seu acervo, como mera questão incidental dentro de um litígio possessório. O acesso aos bens e serviços culturais e, consequentemente, o pleno exercício dos direitos culturais pela comunidade, devem ser objeto de análise pelo Judiciário em casos como esse, dando a devida importância ao impacto que tais ações judiciais podem ter para a garantia desses direitos.


É claro que não se está aqui afirmando que regras de Direito Administrativo ou Civil devem ser menosprezadas em detrimento dos direitos culturais. O que se busca, no entanto, é que os direitos culturais sejam o parâmetro de análise quando se está tratando da continuidade ou não de instituições culturais, públicas ou privadas, cujo trabalho possui notória relevância para a comunidade e para a efetivação desses direitos.


Afinal, a própria Constituição Federal prevê os direitos culturais como direitos fundamentais, o que, por si só, já é suficiente para balizar todo o caso sob essa perspectiva. Por força da referida decisão judicial, o Conservatório manteve a posse sobre os bens que integram o seu acervo e pode dar continuidade ao seu trabalho, agora em outro local. Os direitos culturais prevaleceram.

*Cecilia Rabêlo, advogada, Mestre em Direito e Especialista em Gestão e Políticas Culturais, Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

Nota

[1] Ver: Processo nº 0800553-32.2023.4.05.0000

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