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Na semana passada, iniciou-se em Glasgow, no Reino Unido, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. “COP” é a abreviatura de “Conferência das Partes” que, essencialmente, significa um “encontro de países” ou das “partes” signatárias e que compõem o órgão dirigente da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) (1). Isto é, o tratado internacional resultante da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), informalmente conhecida como a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
Este ano será a 26ª vez que a conferência acontece, daí o nome “COP26”, e se trata de uma oportunidade para líderes mundiais, diplomatas, ONGs, ativistas e cidadãos discutirem e buscarem soluções para a crise climática que assola o mundo atual. Entre os temas mais relevantes, Alimentos e Agricultura serão, sem dúvida, objeto de destaque desse encontro.
Como anunciou Marta Messa (2), diretora do Slow Food Europe, “Alimentos e agricultura devem ser parte da solução das mudanças climáticas” e “a fim de atender à neutralidade climática até 2050, a COP26 deve preparar o caminho de transição para sistemas agroecológicos de alimentos”.
A União Europeia, por sua vez, “determinada a garantir o sucesso da COP 26” (3), apresentou o European Green Deal, um acordo europeu visando a adaptar as suas políticas de clima, energia, transporte e fiscais para a redução das emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030. Trata-se de uma nova estratégia de crescimento sustentável para impulsionar a economia, melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas.
No cerne desse acordo, temos a adoção da política Farm to Fork (“Fazenda ao Garfo”), aprovada na semana passada pelo Parlamento Europeu, que visa, em dez anos, a transição para um sistema alimentar voltado para medidas e objetivos que envolvem toda a cadeia alimentar, desde a produção, distribuição, e até o consumo final.
Segundo o relatório da Comissão Europeia (4), os sistemas alimentares continuam a ser um dos principais motores das alterações climáticas e da degradação ambiental. Há, portanto, uma necessidade urgente de se reduzir a dependência de pesticidas e o excesso de fertilização, de aumentar a agricultura orgânica, de melhorar o bem-estar animal e reverter a perda de biodiversidade.
Deve ser esclarecido que, até agora, somente as linhas gerais da política Farm to Fork foram aprovadas pelo Parlamento Europeu. O próximo passo será, assim, a criação das propostas efetivas para a sua futura implementação. Contudo, apesar de ser uma estratégia muito relevante, principalmente diante da COP26, tem sido objeto de inúmeras críticas e pareceres discordantes. Os debates mais acalorados se dão no sistema único europeu de etiquetagem nutricional de alimentos, disposto nesta política, que propõe identificá-los segundo o seu teor de nutrientes, classificando-os de saudáveis (verde “A”) a danosos (vermelho “E”).
Segundo alguns países membros da União Europeia, esse “NutriScore” corre o risco de penalizar muitos produtos, principalmente aqueles provenientes da cultura alimentar tradicional. A Itália foi a primeira a declarar guerra contra esse sistema de rotulagem, argumentando que a proposta avalia os alimentos individualmente (atribuindo uma letra/ cor a cada alimento com base em seu teor de açúcar, gordura e sal), o que não considera sua inclusão na alimentação de uma forma mais ampla, como parte de uma dieta equilibrada. Nesse sentido, diversos produtos, por exemplo, da dieta mediterrânea (já elevada a Patrimônio Cultural Imaterial pela Unesco), como o Parmigiano Reggiano, o presunto de Parma e até o azeite de oliva, quando considerados como partes de um todo maior, atendem ao perfil nutricional “de saudável” do NutriScore.
O mesmo argumento é ressaltado por alguns produtores tradicionais franceses, como no caso dos famosos queijos IG - Roquefort e Pélardon. Eles pedem uma reavaliação do sistema, que iguala tais produtos ao mesmo nível nutricional de batatas fritas e bebidas açucaradas. Apesar de o governo francês ser defensor do NutriScore, o próprio ministro da Agricultura francês afirmou, recentemente, que “é necessária uma revisão da metodologia em que se baseia o sistema, por determinar classificações que não necessariamente obedecem aos hábitos alimentares tradicionais de um povo” .(5)
Em um mundo onde o aumento do custo dos insumos causado pela pandemia e pelas instabilidades climáticas fragilizarão cada vez mais os sistemas agrícolas, a busca pela proteção do sistema alimentar e por alimentos saudáveis, preconizada pelo Farm to Fork,será uma chave decisiva para a salvaguarda do território local e do ambiente global.
Contudo, devemos estar atentos para que esses mesmos sistemas incentivem não somente a produção alimentar sustentável, mas igualmente o consumo de alimentos tradicionais e típicos, com indicações geográficas, de modo a que as culturas tradicionais e a diversidade regional possam ser mantidas a salvo da pasteurização global.
*Anita Mattes é professora na área de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, doutora pela Université Paris-Sanclay, mestre pela Université Panthén-Sorbone, conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e advogada do Studio MATTES
1.Conforme artigo 7° da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
2.Veja: https://www.slowfood.com/press-release/slow-food-at-cop26.
3.Veja discurso de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia,https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal/climate-action-and-green-deal/eu-cop26-climate-change-conference_fr.
4.https://ec.europa.eu/food/system/files/2020-05/f2f_action-plan_2020_strategy-info_en.pdf
5.https://www.ilfattoquotidiano.it/2021/04/24/la-guerra-sulletichetta-ue-a-colori-per-gli-alimenti-per-il-governo-lalgoritmo-danneggia-leccellenza-italiana-gli-interessi-delle-multinazionali-la-gara-tra-i-paesi/6161056./
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