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O Espaço Itaú de Cinema da Rua Augusta, na capital paulista, anunciou o encerramento das suas atividades para o dia 16 de fevereiro, quando será exibida a sua última sessão, pois o imóvel foi vendido para uma incorporadora que deverá demolir a edificação, dando lugar a um prédio comercial.
A decisão de fechar o cinema - inaugurado em 1993 - encontra a resistência dos amantes dessa arte e dos frequentadores do espaço cultural que reivindicam o reconhecimento do seu valor histórico e cultural com queixas acerca da omissão do órgão municipal competente para o tombamento.
O iminente fechamento deste cinema e a alegada existência de valor histórico e cultural do espaço desperta o interesse em saber o que faz um bem adquirir valor cultural e, portanto, ser objeto de proteção pelo poder público? Por que não existem ações preventivas do Estado para salvaguardar o patrimônio cultural?
O tombamento é o principal instrumento de proteção do patrimônio cultural material, aquele identificado pelos sentidos, cuja estrutura física funciona como suporte para a memória coletiva e os valores culturais que lhe são inerentes. Assim, a manutenção da estrutura física do Espaço Itaú de Cinema é a forma de, para além da pedra e cal, proteger os valores e os sentidos que os grupos sociais atribuem a referido bem, pelas representações simbólicas por eles vividas.
Desta feita, quando os grupos sociais reivindicam a manutenção de uma edificação, atribuindo-lhes valores culturais, tal fato não pode ser ignorado pelo Poder Público que deve adotar as medidas voltadas para avaliar, junto com a comunidade, já que não é mais possível atribuir apenas a intelectuais e profissionais, detentores de conhecimento técnico-científico, essa atividade valorativa, pois a Constituição atribui ao Poder Público e à comunidade uma atuação conjunta e colaborativa na proteção dos bens culturais.
O que parece ter ocorrido no caso do Espaço Itaú de Cinema é uma mobilização tardia, apenas quando a sensação da perda se mostrou iminente. E o sentimento de pertencimento parece aflorar apenas em situação de imediata destruição de um bem cultural. No entanto, deve-se questionar os motivos que conduzem à omissão, tanto do Estado, quanto da comunidade, também responsável pela sua preservação, que rotineiramente permitem situações como esta, qual seja: um bem com potencial valor cultural, sem o reconhecimento tempestivo do Estado e, portanto, sem gozar da proteção efetiva e formal dos instrumentos jurídico existentes.
Tal situação sempre faz surgir o “herói” de plantão, aquele que segundo Humberto Cunha [1] protocola um pedido de tombamento de urgência ou alguma medida judicial cautelar salvadora. Mas, não adotam medidas preventivas para a efetiva proteção do patrimônio cultural pelos instrumentos existentes no ordenamento jurídico.
Assim, infelizmente tudo indica que a omissão do Poder Público e da comunidade fará com que a Rua Augusta perca um dos seus encantos culturais. A torcida é pela efetiva proteção do Espaço Itaú de Cinema. Mas, infelizmente, essas omissões destruidoras do patrimônio cultural não são novidades e o heroísmo de ocasião raramente é efetivo.
Allan Carlos Moreira Magalhães, Doutor e Pós-doutor em Direito (UNIFOR), professor e pesquisador com estudos no campo dos Direitos Culturais, Articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e Autor do livro “Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo” (Dialética-SP)
Nota
[1]CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Direitos culturais: a desgraça do heroísmo. Disponível em: < https://www.ibdcult.org/post/direitos-culturais-a-desgra%C3%A7a-do-hero%C3%ADsmo >. Acesso em: 10 jan. 2023.
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