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Períodos de campanhas eleitorais são sempre momentos oportunos para o debate relativo às políticas a serem implantadas pelos gestores que vierem a ser eleitos; com a cultura não é diferente, mas este campo possui peculiaridades preocupantes.
Se forem observadas as propostas relativas à cultura apresentadas pelos candidatos a prefeito das eleições que se avizinham, elas poderiam ser classificadas como ausentes, prolixas, generalistas e incertas. Claro que, mesmo raras, são encontradas propostas culturais precisas e factíveis, mas o propósito desta reflexão é o de evidenciar o que é defeituoso, para tentar contribuir com a sua eliminação e, por via indireta, estimular futuros planos e práticas virtuosas.
As propostas governamentais para a cultura designadas de “ausentes” revelam desprezo e/ou afronta do candidato para com a temática e os grupos sociais que militam em seu favor; evidenciam também um cálculo eleitoral, pelo qual se forma a convicção de que os eleitores realmente aguerridos em defender o mencionado campo são numa fatia tão diminuta que, se contrariados, não afetam o resultado eleitoral; quando menos, sendo tal grupamento portador de outros interesses, pode ser atraído por estes, que passam a preponderar em suas decisões de voto.
Em sentido oposto, as propostas culturais “prolixas”, assim designadas pela abundância, costumeiramente elaboradas por quem tem como sustentáculo principal (ou entre os mais importantes) o segmento cultural ou uma fatia deste. Raramente essas candidaturas têm sucesso e, quando saem vitoriosas, o setor cultural é convidado a ser compreensivo com o vagar na implementação das promessas, dado o conjunto das outras necessidades da população.
As propostas “generalistas”, do tipo “mais atividades de arte e cultura para todos”, assemelham-se, em termos de convicção da importância do setor cultural, às “ausentes”, com o agravante da demagogia explícita, consistente em garantir aos eleitores refratários à cultura que fará o que quer, neste campo, mas ao mesmo tempo dirige uma “palavrinha” àqueles que se importam de alguma forma com os destinos das políticas culturais.
Nas propostas culturais “incertas”, seus autores têm melhores propósitos que os das “generalistas”, mas não têm preparo para a matéria cultural; geralmente entendem-na como se não tivesse fins próprios, ou seja, como mero trampolim auxiliar do emprego, da renda, do turismo, da ideologia, por exemplos.
Mas as agruras do campo cultural não findam depois dos pleitos eleitorais; diferente disso, principiam, ou melhor, continuam. O primeiro enfrentamento pós-eleição é o relativo à manutenção do órgão de gestão cultural, que não raro é extinto ou rebaixado. Se tiver a ventura de sobreviver enfrenta, em termos de gestão, alguns destinos usuais: um deles é o de ser “presenteado” ao intelectual confuso que elaborou ou ajudou a elaborar as propostas “incertas” e que da mesma forma as transformará em plano e assim o conduzirá.
Outra possibilidade é o de ser confiado ao partido minoritário que fez o conjunto “prolixo” de propostas e aderiu ao candidato vencedor no segundo turno; neste caso, a realidade demonstrará que não é possível fazer a política cultural apenas para os seu segmento partidário e ideológico e, quiçá, política cultural alguma, dado que agora, compondo o governo, será chamado a ser compreensivo para com a situação de crise, que aparenta ser ininterrupta.
Essa tipologia e as combinações que dela resultam permitem perceber que a elaboração de políticas culturais no Brasil vivencia múltiplos ciclos viciosos, para fugir dos quais precisamos percebê-los, bem como dedicar atenção para certas práticas que não permitem o fortalecimento do setor, entre as quais uma falsa apropriação de legitimidade sobre ele por apenas alguns segmentos da sociedade, o que só promove diversidade fragmentária, um tipo nefando de antropofagia cultural, esquecendo-se de valores gregários.
Apesar de toda a problemática posta, há um consenso social latente em favor da cultura, tanto que entre ataques, destruições, rebaixamentos e sobrevidas ela persiste no debate. Para ajustar as coisas, precisamos urgentemente encontrar o caminho do diálogo franco, tendo por limites os direitos humanos e como elemento de coesão, o sentimento de fraternidade.
Humberto Cunha Filho
Professor de Direitos Culturais nos programas de Graduação, Mestrado e dDoutorado da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Autor, dentre outros, do livro “Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades”.
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