Quadro “O Grito” produzido por Edvard Munch (1863 —1944)
“Nunca há um documento da cultura, que não seja,
ao mesmo tempo, um documento da barbárie” (Walter Benjamim).
A Associação de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), criada em 2004 (Paris), remonta suas origens ao ano de 1913, com a criação da Union Internationale des Villes, um movimento internacional de municipalidades que acredita que para implementar a execução de pautas globais é preciso considerar o nível local de governos como o coração da solução.
A CGLU (United Cities and Local Governments – UCLG) é uma rede global de governos locais com representantes de cerca de 140 países localizados por todo o mundo, contando com mais de mil cidades como membros; sendo considerada a principal e maior organização de representação de governos locais perante a Organização das Nações Unidas (ONU), tendo como principais áreas de atuação as questões relativas à democracia, direitos humanos, desenvolvimento sustentável, diversidade cultural, em especial, buscando a efetivação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a Agenda 2020-2030 da ONU, entre outros documentos internacionais.
Na semana de 09 a 11 de setembro de 2021, ocorreu em Izmir, na Turquia, a 4ª Conferência de Cúpula da Cultura da CGLU, na qual se reconheceu que diversas cidades e governos locais adotam a cultura como dimensão integradora do desenvolvimento sustentável; e que, segundo a Declaração de Izmir, reconhece “o impressionante poder da cultura para ampliar os direitos e as liberdades de todas as pessoas, melhorar o bem-estar e construir comunidades mais saudáveis e resilientes que não deixam ninguém nem nenhum lugar para trás”.
Assim, desde o seu Congresso fundacional (2004), a CGLU tem promovido atividades que procuram articular a cultura com o desenvolvimento sustentável, aproximando as cidades e os governos locais das mais diversas pautas globais.
Nesse contexto, a 4ª Conferência de Cúpula da Cultura, em Izmir, alerta para a necessidade de participação ativa das comunidades nos debates políticos, valorizando a diversidade cultural “como fonte de conhecimento, como elemento vital da cidadania e como componente para a resolução pacífica de conflitos”.
Reconhece ainda, a Declaração de Izmir, que a participação na vida cultural é um direito, e que as políticas culturais participativas são essenciais para promover um sentido de identidade e pertencimento, contribuindo “para a maneira em que podemos imaginar e definir o futuro”.
E aqui nos encontramos com o título proposto para esse texto – a cultura define o futuro da humanidade? - e que foi apresentado, na forma de afirmação positiva, como um dos aspectos conclusivos da Cúpula de Izmir.
Como um guia para a reflexão, trouxemos uma fala de Walter Benjamim – em “As teses sobre o conceito de história” - que, a partir de uma leitura isolada pode se revelar puramente negativa para os ideólogos da cultura e dos direitos culturais: “Nunca há um documento da cultura, que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie”.
Nessa perspectiva, Benjamim nos alerta que, assim como em relação à tecnologia, precisamos também estar atentos às energias destrutivas da cultura, especialmente por meio de sua instrumentalização e industrialização realizadas pelo sistema do capital, que busca a financeirização dos bens e expressões culturais, enquanto reprodução de movimentos que remetem à colonização do espírito humano.
Todavia, como previamente alertado, a leitura desta tese de Benjamim deve ser feita complementarmente com outra que ele propõe, e que pode ser referida também à cultura, quando remete à coisas “finas e espirituais”: “Elas estão vivas nesta luta como confiança, como coragem, como humor, como astúcia, como tenacidade, e retroagem ao fundo longínquo do tempo”.
Por mais que os riscos da barbárie sejam iminentes, ainda estão vivos, mesmo que em potência de ação, a confiança, a coragem, o humor, a astúcia, a tenacidade e os valores que ainda ressoam no espírito humano, e que podem também ser reproduzidos e transmitidos culturalmente.
Se a cultura vai definir o futuro da humanidade, não o sabemos, mas é bem possível que o que for cultivado em nós e nos relacionamentos com os outros, possa definir este futuro.
*Marcus Pinto Aguiar, mediador de conflitos (NUPEMEC/TJ-CE), advogado, doutor em Direito Constitucional com pós-doutorado pela UNB/FLACSO Brasil, professor da Faculdade 05 de Julho (F5) e do Mestrado em Direito da UFERSA, membro-fundador do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)
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